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CHLMP | OMD | 1,707 | page_100.txt |
60 Observações Medicas Doutrinaes.
elle de industria atàra fortemente o braço para impedir o movimento das arterias ; porque se naõ podia esperar que hum homem moço , robusto , caluroso , hirsuto , & vivaz, naõ tivesse pulso , ( estando vivo ; ) mas antes se devia crer o tivesse mui grande , pois tinha grande respiração ; & como esta , & o pulso guardem a mesma igualdade , sendo esta grande , grande devia tambem ser aquelle . Finalmente como naõ lhe achasse pulso no lugar aonde todos o costumaõ ter, presumi que a mesma natureza por travessura da faculdade formatrice puzera as arterias pulsantes na parte exterior dos pulsos : & naõ me enganei ; porque na costa da mão tinha as arterias taõ fortes , & vigurosas , como se tivesse huma grande febre .
8 . Perguntaraõ aqui os curiosos , porque causa em algumas pessoas ( aindaque sejão muito robustas ) se occultão as arterias dos pulsos de tal sorte , que nem apertandose muito com os dedos, as percebe o tacto mais subtil ; & em outras , (ainda que sejão muito fracas ) com qualquer leve compressaõ se achão.
9 . Respondo que o perceberemse as arterias difficultosamente em huns , & facilmente em outros , procede de cinco cousas . A primeira he a muita gordura & quantidade de carnes, que comprimindo as arterias, as suffoca, & aperta tanto, que não as deixa apparecer. A segunda he alguma ferida grande, ou cicatriz do braço, que apertando a carne com o callo da ferida , não dà lugar a que as arterias se alarguem, & pulsem como convem . A terceira he a grande bebedice ; porque como o vinho tem propriedade narcotica , & estupefactiva , ( quando he muito ) faz effeitos semelhantes aos do opio, adormecendo , & fazendo esquecer as faculdades , & movimentos naturaes. A quarta he o grande enchimento do estomago , que tambem suffoca , & aperta as arterias do mesmo modo , que as aperta a excessiva gordura . Aquinta he algum affecto inflammatorio , obstrucção , ou fraqueza do coraçaõ , & arterias . E pelo contrario nos muito magros se percebem facilmente as arterias ; porque como
| 60 Observações Medicas Doutrinaes.
elle de industria atàra fortemente o braço para im- pedir o movimento das arterias ; porque fe nao podia . : efperar que hum homem moço, robufto, calurofo, hirfuto, & vivaz, não tiveffe pulfo, ( eftando vivo; ) mas antes fe devia crer o tiveffe mui grande, pois ti- nha grande refpiracao ; & como efta, & o pulfo guar- dem a mefma igualdade, fendo efta grande, grande devia tambem fer aquelle. Finalmente como naõ lhe achoffe pulfo no lugar aonde todos o coftumaõ ter, prefumi que a mefma natureza por traveffura da fas · culdade formatrice puzera as arterias pulfantes na parte exterior dos pulfos : & nao me enganei ; porque . na cofta da mão tinha as arterias tao fortes , & viguro -. fas, como fe tiveffe huma grande febre.
8. Perguntaráo aqui os curiofos , porque canfa em algumas peffoas ( aindaque fejão muito robuftas) fe occultão as arterias dos pulfos de tal forte , que nem apertandofe muito com os dedos, as percebe o'tacto mais fubtil ; & em outras, (ainda que fejao muito fra- cas ) com qualquer leve compreffaõ fe achão.
9. Refpondo que o perceberemfe as arterias dif- ficultofamente em huns , & facilmente em outros, procede de cinco coufas. A primeira he a muita gor- dura, & quantidade de carnes , que comprimindo as arterias , as fuffoca, & aperta tanto, que não as deixa apparecer. A fegunda he alguma ferida grande, ou ci- catriz do braço, que apertando a carne com o callo da ferida, não da lugar a que as arterias fe alarguem, & pulfem como convem. A terceira he a grande be- bedice; porque como o vinho tem propriedade nar- cotica, & eftupefactiva, (quando he muito ) faz ef- feitos femelhantes aos do opio, adormecendo, & fa- zendo efquecer as faculdades, & movimentos natu- . raes. A quarta he o grande enchimento do eftomago, que tambem fuffoca, & aperta as arterias do mefmo modo, que as aperta a exceffiva gordura. Aquinta he algum affecto inflammatorio, obftrucção, ou fraque- za do coração, & arterias. E pelo contrario nos mui- to magros fe percebem facilmente as arterias ; porque como
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1 | 6o Obfervacoes Medicas Doutrinaes. elle. de induftria atara fortemente obraco para im- pediromovimento das arterias, porgue fe na podia : efperar que hum homem mogo, robufto, calurofo; hirfuto, &vivaz, nao tiveffe pulfo,( eftando vivo; mas antes fe devia crer o tiveffe mui grande, pois ti- nha grande refpiraca ; & como efta, & o pulfo guar- dem a mefma igualdade, fendo efta grande,grande deviatambem fer aquelle. Finalmente como na lhe achaffe pulfo no lugar aonde todos.o coftuma ter, prefuimi que a mefma natureza por traveffura dafa- culdade formatrice puzera as arterias pulfantes na parte éxterior dos pulfos : & na meenganei ; porque na cofta da mao'tinha as arterias ta fortes , & viguro- fas , como fe tiveffe huma grandé febre. 8... Perguntará aqui as curiofos , porque caufa em algumas peffoas ( aindaque fejao muito robuftas) fe occultao'as arterias dos pulfos de tal forte , que nain apertandofe muito com os dedos, as.percebeo tacto : mais fubtil ; & emoutras, (ainda que fejao muito fra- cas ) com qualquer leve compreffa fe achao Refpondo que o perceberemfe as arterias dif- 9. ficultofamente em huns , & facilmente em outros, procede de cinco coufas. A primeira he a muita gor- dura,& quantidade decarnes , que comprimindo as arterias, as fuffoca, & aperta tanto,que nao as deixa apparecer. A fegunda he alguma ferida grande, ou ci-: da ferida, nao da lugar aque as arterias fealarguem, & pulfem comoconvem. A terceira he a grande be- bedice; porque como ovinhotem propriedade nar cotica, & eftupefastiva, (quando he muito) faz ef- feitos femelhantes aos do opio , adormecendo , & fa- . zendo efquecer as faculdades, & movimentos.natu- .que tambem fuffoca, & aperta as arterias do imefm6 medo, que as aperta a exceffiva gordura.: Aquinta he algum affecto inflammatorio, obftruccao, ou fraque- za docoraca, & arterias. E pelo contrario. nos mui-- to magros fe percebem facilmente as arterias ; porque coma | * . e
so Obfervações Medicas Doutrinaes.
* - elle de induftria atàra fortemente obraço pára im-
, pediromovimento das arterias; porque fe naó podia .
« elperar que hum homem moço, robufto, calurofo;
hirfuto, & vivaz , não tivefle pulfo , ( eltando vivo; )
mas antes fe devia crer o ivere mui grande 5 pois tiz.
nha grande refpiraçaó ; & como efta , & o pulío guar-*
dem a mefíma igualdade, fendo efta grande, grande
devia tambem fer aquelle. Finalmente como naó lhe
achaíle pulfo no lugar aonde todos o coftumaõ ter,
prefumi que a melma natureza por traveílura da faz
* culdade formatrice puzera as arterias pulfantes na
parte exterior dos pulfos : & naô me enganei ; porque .
nacoíta da mão tinha asartegias ta fortes , & Viguro-
fas , como fe tivefle huma grande febre. | :
8. Perguntaráõ aqui os curiofos , porque canfa
emalgumas pefloas ( aindaque fejão muito robufítas)
“feocceultão as arterias dos pulfos de tal forte, quenem
apertandofe muito com os dedos, as percebe o ta&o *
Thais fubtil ; & em outras , (ainda que fejão muito fra-
cas ) com qualquer leve compreflaô fe achão.
9. Relpondoqueo perceberemfe as arterias dif-
ficultofamente em huns , & facilmente em outros,
procede de cinco coufas. A primeira he a muita gor-
dura , & quantidade decarnes , que comprimindo as
arterias , as fuffoca, & aperta tanto, que não as deixa
apparecer. A fegunda he alguma ferida grande, ouci- -
catriz do braço, que apertando acarne como callo
da ferida, não dà lugar a que as arterias fe alarguem,
& pulfem comoconvem. À terceira he a grande be-
bedice; porque como ovinhotem propriedade nar-
cotica, & eftupefa&iva, (quando he muito ) faz ef.
feitos femelhantes aos do opio, adormecendo, & fa-
. .zendo efquecer as faculdades, & movimentos natu-
. raes. A quárta he o grande enchimmengo do eftomago,
que tambem fuffoca, & aperta asarterias do memo
medo, que as aperta a excefliva gordura.. Aquinta he
algum affecto inlammatorio , obftrucção, ou fraque.
za docoraçaõ, & arterias. E pelo contrario nos mui-
to magros fe percebem facilmente as arterias ; porque
' . ! : como
| 60 Observaçones Medicas Doutrinaes.
elle de industria atàra fortemente o braço para im-
pedir o movimento das arterias; porque se naon podia
esperar que hum homem moço, robusto, caluròso
hirsuto, & vivaz, namo tivesse pulso, (estando vivo;
mas antes se devia crer o tivesse mui grande, pois ti¬
nha grande respiraçaon; & como esta , & o pulso guar-
dem a mesma igualdade, sendo esta grande, grande
devia tambem ser aquelle. Finalmente como naon lhe
achasse pulso no lugar aonde todos o costumao ter
presumi que a mesma natureza por travessura da fa¬
culdade formatrice puzera as arterias pulsantes na
parte exterior dos pulsos: & naon me enganei; porque
na costa da mano tinha as arterias taon fortes, & viguro¬
sas, como se tivesse huma grande febre.
Perguntaraon aqui os curiosos, porque causa
em algumas pessoas (aindaque sejano muito robustas
se occultamo as arterias dos pulsos de tal sorte, que nem
apertandose muito com os dedos, as percebe o tacto
mais subtil; & em outras, (ainda que sejano muito fra¬
cas) com qualquer leve compressaon se achamo.
9.
Respondo que o perceberemse as arterias dif¬
ficultosamente em huns, & facilmente em outros.
procede de cinco cousas. A primeira he a muita gor-
dura, & quantidade de carnes, que comprimindo as
arterias, as suffoca, & aperta tanto, que namo as deixa
apparecer. A segunda he alguma ferida grande, ou ci-
catriz do braço, que apertando a carne com o callo
da ferida, nano dà lugar a que as arterias se alarguem,
& pulsem como convem. A terceira he a grande be¬
bedice; porque como ovinho tem propriedade nar-
cotica, & estupefactiva, (quando he muito) faz ef¬
feitos semelhantes aos do opio, adormecendo, & fa-
zendo esquecer as faculdades, & movimentos natu¬
raes. A quarta he o grande enchimento do estomago,
que tambem suffoca, & aperta as arterias do mesmó
modo, que as aperta a excessiva gordura. Aquinta he
algum affecto inflammatorio, obstrucęamo, ou fraque¬
za do coraçaon, & arterias. E pelo contrario nos mui¬
to magros se percebem facilmente as arterias; porque
como
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_101.txt |
Observaçaõ IX. 61
como estejaõ na superficie da carne , se percebem com qualquer levissimo contacto da maõ .
OBSERVAÇAM IX
De huma lepra bastarda , que certa senhora padeceo quatro annos , tendo por causa os alimentos grosseiros que comia , & a vida sedentaria , & penitente em que estava , de que se seguio obstruiremse as veas , & faltaremlhe as purgações mensaes ; & naõ achando os humores porta franca para se descarregarem , se espalhàraõ pela superficie do corpo , & o enchèraõ de pustulas , & comichões taõ insoportaveis , que se achou a doente obrigada a fazer mil remedios ; & como nenhũs lhe aproveitassem , recorreo aos meus segredos especificos , & tomando-os muitos dias , cobrou perfeita saude.
1. COm muita razaõ se queixa sentidamente Jaquino , (1.) dizendo que nos nossos tempos já se naõ curaõ as grandes enfermidades , porque os Medicos de hoje usaõ sómente de remedios leves , & pouco continuados , & se alguma hora lançaõ maõ dos mais efficazes , naõ tem animo para repetillos muitas vezes , temendo que a frequencia delles seja prejudicial aos enfermos ; jà se na segunda , ou terceira applicaçaõ de qualquer medicamento naõ vem a doença curada , ou muito diminuida , desprezaõ logo ao tal medicamento , por mais conveniente que seja , appellando para outros , sem se lembrarem que he conselho de Galeno , (2.) que todas as vezes , que os remedios se applicarem conforme pede a razaõ, & a doença , aindaque naõ obrem logo conforme o desejo , nem por isso se haõ de desprezar , nem appellar para outros ; mayormente se a doença permanecer do mesmo modo que dantes era . Confesso que tenho grande lastima , & grande compaixaõ de algũs doentes , que
| Obfervação IX.
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como eftejao na fuperficie da carne , fe percebem com qualquer Jeviffimo contacto da maõ.
OBSERVAÇAM IX.
De huma lepra baftarda , que certa fenhora padeces quatro annos , tendo por caufa os alimentos grofeiros que comia , & a vida fedentaria , & penitente em que eftava, de que fe feguio obstruiremfe as veas, & fal- taremthe as purgações menfaes ; & nao achando os humores porta franta para fe defcarregarem, fe ef- palharao pela Superficie do corpo, & o encherao de puflulas, & comichões tao infoportaveis , que fe achou a doente obrigada a fazer mil remedios ; & como ne- nhus lhe aproveitafem, recorreo aos meus fegredos especificos, & tomando-os muitos dias , cobrou perfei- - ta faude.
İ: Om muita razao fe queixa fentidamente Jaquino,(1.) dizendo que nos noffos tem- pos já fe naô curaõ as grandes enfermidades , porque os Medicos de hoje ufao fómente de remedios leves, & pouco continuados , & fe alguma hora lançaõ mao dos mais eficazes , nao tem animo para repetillos muitas vezes, temendo que a frequencia delles feja prejudicial aos enfermos ; jà fe na fegunda, ou tercei- ra applicaçaõ de qualquer medicamento naõ vem a doença curada, ou muito diminuida, defprezaõlo- go ao tal medicamento, por mais conveniente que fe- ja, appellando para outros , fem fe lembrarem que he confelho de Galeno; (2. ) que todas as vezes , que os remedios fe applicarem conforme pedè a razao, & a doença, aindaque naõ obrem logo conforme o defe- jo, nem por iffo fe hao de defprezar, nem appellar para outros ; mayormente fe a doença permanecer do mefmo modo que dantes era. Confeffo que tenho grande laftima,& grande compaixao de algus doentes, que
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) | Obfervacao 1X. comq efteja na fuperficie da carne , fe percebem com qualquer leviffimo contacto.da ma: .OBSERV.ACAM IX. De hima lepra baftarda, que certa fenbora padece quatro annos , tendo por caufa os alimentos groffeiros que comia, d.a vida fedcntaria, penitente em qus eftava, de quefefeguio obftruiremfe as veas, fal- taremlbe as purgases menfaes ; na achando os bumo:es portafranta para fe defcarrcgaren; fe ef- -palbara pelafuperfcie do corpo, enchera de puftulas, & comithocs ta in/oportavcis , que fe achou a doente obrigada afazer mil rcmedios; d como ne- nbus. lhe aproveitaf/em, recorrco aos meus fegredos efpecificos, tomando-os muitos dias, cobrou perfei- tafaude: m muitaraza fe queixa fentidamente . Jaquino,(1. dizendoque nos noffos tein- pos já fe na cura as grandes enfermidades , porque os Medicos de hoje ufao foinente de remedios leves , & pouco continuados , & fe algumahora lancaö ma dos.mais efficazes , na tem animo para repetillos imuitas :vezes, temendo que a frequencia delles feja prejudicial aös enfermos ; ja fe na fegunda , ou tércei- ra applicaša de qualquer medicamento na vem a doenca curada, ou muito diminuida, defprezalo- go ao tal medicamento , por mais conveniente quc fe- ja , appellando para öutros , fem fe lembraremque he confelho deGaleno, (.) que todas as vezes,que os remedios fapplicarem conforme pede araza, & a doenca , aindaque na obrem 1ogo conforme ö defe- jo, nem por iffo fe ha de defprezar, nem appellar para outros ; mayormente fe'a doenga permanecer do mefmo modo que dantes.era. Confeffo que tenho grande-laftima,& grande compaixa de algús doentes, gut | comg eftejaô na fuperfície da cárne , fe percebem = , .
com qualquer Jeviflimo eonta&o da maô. !
OBSERVAÇAM IX.
De huma lepra baftarda , que cevta fenhora padeicô
' quatro annos, tendo por caufa os alimentos groffeiros
que comiá , & a vida fedentaria , & penttente em que
eftava , de que fe feguio obftruiremf[e as veas, & fal-
taremlhe as purgações menfaes; & nao achando os
humores porta frandhk para fe defearregarem, fe ef-
palharao LU fuperfíiciê do corpo, & o encherao de
pultúlas, & comichoes tao infoportaves , que fe achou
a doente obrigada a fazer mil remedios; & como ne-
nhis lhe aproveitaflem, recorreo aos meus fêgredos
efbecificos , & tomando-os muitos dias , cobrou perfei-
ta faude.
í; % Óm muita ráraõ fe queixa fentidamtnte
Nu Jaquino,(1.) dizendo que nos noffos tem-
pos já fe naô curão as grandes enfermidades , porque
os Medicos de hoje nfão fómente de remedios leves,
& pouco continuados ; & fe alguma hora lançaô maõ
dos mais efficazes , naó tem animo para repetillos
inuitas ivezes , temendo que ?% frequencia delles feja
prejudicial aós enfermos ; jà fe na fegunda , ou têrcei-
ra applicaçaô de qualquer medicamento naó vem a
doença curagdá, ou muito diminuída, defprezáõilo- *
go ao tal medicamento, por mãis conveniente que fe-
[EM appellando para outros ; fem fe lembrarem que he
confelho de Galeno ; (2.) que todas as vezes , que os
remedios fê applicarem conforme pedê arazaó, & a
doença, ain aque naô obrem logo conforme 6 defe-
jo, nem por iflo fe haô de defprezar, nemappellar
para outros ; mayormente fe a doença permanecer do
melmo modo que dantes era. Confeflo que tenho :
: grande laftima,& grande compaixaõ de algãs docentes, . | -
A . . x
É Ss qe o. F)
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| Observaçao IX.
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como estejaon na superficie da carne, se percebem
com qualquer Jevissimo contacto da maon.
OBSERVAQAM IX.
De huma lepra bastarda, que certa senhora padeces
quatro annos, tendo por causa os alimentos grosseiros
que comia, & a vida sedentaria , & penitente em que
estava, de que se seguio obstruiremse as veas, & fal¬
taremlhe as purgaçones mensaes; & naon achando os
humo: es porta franta para se descarregarem, se es¬
palharao pela superficie do corpo, & o encherao de
pustulas, & comichones tao insoportaveis, que se achou
a doente obrigada a fazer mil remedios; & como ne¬
nbums lhe aproveitassem, recorreo aos meus segredos
especificos, & tomando-os muitos dias, cobrou perfei¬
ta saude.
1. Om muita razaon se queixa sentidamente
„Jaquino, (1.) dizendo que nos nossos tem-
pos já se naô curaon as grandes enfermidades, porque
os Medicos de hoje usao somente de remedios leves,
& pouco continuados, & se alguma hora lançaon maon
dos mais efficazes, nao tem animo para repetillos
muitas vezes, temendo que à frequencia delles seja
prejudicial aos enfermos; jà se na segunda , ou tercei-
ra applicaçaon de qualquer medicamento naon vem a
doença curadâ, ou muito diminuida, desprezao lo¬
go ao tal medicamento, por mais conveniente que se
ja, appellando para outros , sem se lembrarem que he
conselho de Galeno, (2.) que todas as vezes, que os
remedios se applicarem conforme pedè a razaôn, & a
doença, aindaque nao obrem logo conforme ò dese¬
jo, nem por isso se hao de desprezar, nem appellar
para outros; mayormente se a doença permanecer do
mesmo modo que dantes era. Confesso que tenho
grande lastima, & grande compaixaon de alguns doentes,
que
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_102.txt |
62 Observações Medicas Doutrinaes.
(3.) que podendo viver muitos annos , & conseguir a saude que pertendem , a naõ conseguem , porque largaõ os remedios convenientes , tanto que nos primeiros dias naõ tiraõ a enfermidade.
2. Porèm como neste tempo querem muitos enfermos ser curados com melindre , (4.) & tambem ajaõ alguns Medicos lisongeiros , que naõ consideraõ o que he mais conveniente à saude , mas o que he mais agradavel ao doente ; daqui procede , que tanto que este repugna a tomar segunda vez a mesma medicina , logo se despreza , & deita fóra ; de que resultaõ dous graves damnos dignos de serem chorados com lagrimas de sangue . O primeiro he ; perder o doente a vida : O segundo he , ficar a Arte infamada , porque se despreza , & condemna como falida , & pobre de remedios , sendo fertilissima delles.
3. Mas oh ditosos enfermos , os que de tal sorte obedeceis aos preceitos dos Medicos , como se fossem divinos ! E outra vez mais ditosos , os que para curarvos , alcançastes hum Medico douto , & taõ constante , que a nenhumas petições injustas se move ; nem se dobra aos appetites dos soberanos , nem se ensurdece aos rogos dos humildes , mas pesa em igual balança o sayal , & a purpura , o cajado , & a coroa , mandando fazer com liberdade o que he melhor para a saude do enfermo , que fiou delle a sua vida ! pois costuma Deos favorecer aos intentos dos que desta maneira curaõ : Em confirmaçaõ do que aqui digo , me seja licito referir o seguinte caso , que observei em seis de Abril de 1670. na illustre senhora Dona Paula Pacheco .
4. Depois que esta senhora teve o estado de viuva , se entregou de sorte aos jejuns , orações , penitencias , mortificações , silencio , & clausura ; que mais parecia moradora do Ceo , que habitadora da terra ; porèm , ou pelo continuo trabalho do espirito , ou pelo pouco exercicio do corpo , ou pela grossaria dos alimentos , de que (por mortificaçaõ) usava , ou pelas grandes penitencias que fazia , gèrou tantas cruezas,
| 62 Observações Medicas Doutrinaes.
(3.) que podendo viver muitos annos, & confeguir a faude que pertendem, a nao confeguem , porque largaõ os remedios convenientes, tanto que nos pri- meiros dias nao tiraõ a enfermidade.
2. Porem como nefte'tempo querem muitos en- fermos fer curados com melindre, (4.) & tambem ajaõ alguns Medicos lifongeiros, que naõ confideraõ o que he mais conveniente à faude, mas o que hệ mạis agradavel ao doente ; daqui procede, que tanto que efte repugna a tomar fegunda vez a mefma medicina, logo fe defpreza, & deita fóra ; de que refultao dous graves damnos dignos de ferem chorados com lagri- mas de fangue. O primeiro he , perder o doente a vi- da : O fegundo he, ficar a Arte infamada, porque fe defpreza, & condemna como falida, & pobre de re- medios , fendo fertiliffima delles.
3. Mas oh ditofos enfermos, os que de tal forte obedeceis aos preceitos dos Medicos , como le foffem divinos ! E outra vez mais ditofos, os que para curar- vos , alcançaftes hum Medico douto, & tao conftan- te, que a nenhumas petições injuftas fe move ; nem fe dobra aos appetites dos foberanos, nem fe enfurdece aos rogos dos humildes, mas pefa em igual balança o fayal , & a purpura, o cajado, & a coroa, mandando fazer com liberdade o que he melhor para a faude do enfermo, que fiou delle a fua vida ! pois coftuma Deos favorecer aos intentos dos que defta maneira curao: Em confirmação do que aquidigo, me feja li- .cito referir o feguinte cafo, que obfervei em feis de Abril de 1670. na illuftre fenhora Dona Paula Pa- checo.
4. Depois que efta fenhora teve o eftado de viu- va, fe entregou de forte aos jejuns , orações, peniten- cias , mortificações, filencio, & claufura; que mais parecia moradora do Ceo, que habitadora da terra ; porem , ou pelo continuo trabalho do efpirito, ou pe- lo pouco exercicio do corpo, ou pela groffaria dos alimentos, de que ( por mortificação )-ufava, ou pe- las grandes penitencias que fazia, gerou tantas crue-
zas, | 62. Obfervacoes Medicas Doutrinaes. (3.) que podendo viver muitos annos, & confeguir afaude que pertendem, a nao confeguem , porque larga os remedios convenientes , tanto que nos pri- meiros dias na tira a enfermidade. 2. Porem como nefte tempo querem muitos en- fermos. fer curados com melindre, (4.) & tambem aja alguns Medicos lifongeiros, que na confidera o que he mais conveniente a faude, mas o.que he mais agradavel ao doente; daqui procede, que tantoque efte repugna a tomar fegunda vez a mefma medicina, logofe defpreza,& deitaf6ra; de que refulta dous graves damnos dignos de ferem chorados com lagri- mas de fangue. O primeiro he perder o docnte a vi- da: Ofegundohe,ficar a Arteinfamada, porque fe defpreza, & condémna comofalida, & pobre de re- medios , fendo fertiliffima delles. 3. Mas oh ditofos enfermos, os que de tal forte obedeceis aos preceitos dos Medicos , como fe foffen divinos! E outra vez mais ditofos, os que paracurar- vos, alcancaftes hum Medico douto,& ta& conftan- te , que a nenhumas peticoes injuftas fe move ; nem fe dobra aos appetites des foberanos, nem fe enfurdece aos rogos dos humildes, mas pefaem igual balanca o fayal,& a purpura, ocajado, & acoroa, mandando fazer com liberdade o que he melhor para a faude doenfermo, que fou delle afua vida! pois coftuma Deos favorecer aos intentos dos que defta maneira cura: Em confirmagaö doque aqurdigo, me feja li-. .cito referir o feguinte cafo, que obfervei em feis de Abril de 1670. na illuftre fenhora Dona Paula Pa- checo. 4. : Depois que efta fenhora teveoeftado de viu- va, fe entregou de forteaos jejuns, oracöes , peniten- cias ,mortificagöes, filencio, & claufura, que mais parecia moradora do Ceo, que habitadora da terra ; porem , ou pelo continuo trabalho do efpirito, ou pe- lo pouco exercicio do corpo, ou pela groffaria dos alimentos, de que ( por mortificacaö )-ufava, ou pe- las grandes penitencias que fazia, gerou tantas crue. zas, | 62. Oblervações Medicas Doutrinaes.
(3.) que podendo viver muitos annos, & confeguit
a faude que pertendem, a naô confeguem , porque
largaô os remedios convenientes , tanto quê nos pri-
Imeiros dias naó tiraô a enfermidade. oo
2. Porêmcomo nefte tempo querem muitos en-
fermos fer curados com melindre, (4.) & tambem
ajaô alguns Medicos lifongeiros , que naô confideraõô
o que he mais conveniente à faude, mas o que hê mais
agradavel ao doente; daqui procede, que tanto que
efte repugna a tomar fegunda vez a melma medicina,
logo fe defpreza , & deita fóra ; de que refultao dous
graves damnos dignos de ferem chorados com lagri-
mas de fangue. O primeiro he fMperder o docate a vi-
da: O fegundo he , ficar a Arteinfamada, porque fe
defpreza, & condemna como falida, & pobre dere-
medios , fendo fertiliflima delles.
3. Masohditofos enfermos, os que de tal forte
obedeceis aos preceitos dos Medicos , como fe foflfem
. divinos! E outra vez mais ditofos , os que para curar-
vos , alcançaftes hum Medico douto, & taaú conftan-
: 4 te,que a nenhumas petições injuítas fe move ; nem fe
Co. dobraaosappetites des foberanos, nem fe enfurdece
aos rogos dos humildes, mas pefa em igual balança o
fayal, & a purpurá, o cajado, & a coroa, mandando
fazer com liberdade o que he melhor para a faude
do enfermo, que fiou delle a fua vida! pois coftuma,
| Deos favorecer aos intêntos dos que defta maneira *
To — “euraó: Emconfirmaçaõ do que aqurdigo, me feja li=..
: «cito referir o feguinte cafo, que obfervei em feis de
- . Abril de 1670. na illuíftre fenhora Dona Paula Pa-
: checo. e” Ú .
4. . Depois que efta fenhora teve o efítado de tiu-
va, fe entregou de forte aos jejuns , orações , peniten-
cias ,mortificações , filencio, & claufura3 que mais
parecià moradora do Ceo, que habitadora da terra ;
porêm , ou pelo continuo trabalho do efpirito, ou pe-
« — lo pouco exercicio do corpo, ou pela groffaria dos
| | alimentos, de que ( por mortificaçaõ )-ulava, ou pe--
cs SUS . lasgrandes penitencias que fazia, gêrou tantas crue-
' : ' Zas,
| 62 Observaçones Medicas Doutrinaes.
(3.) que podendo viver muitos annos, & conseguir
a saude que pertendem, a naô conseguem, porque
largaon os remedios convenientes, tanto què nos pri-
meiros dias naon tiraon a enfermidade.
2. Porèm como neste tempo querem muitos en¬
fermos ser curados com melindre, (4.) & tambem
ajaon alguns Medicos lisongeiros, que naon consideraon
o que he mais conveniente à saude, mas o que hę mais
agradavel ao doente; daqui procede, que tanto que
este repugna a tomar segunda vez a mesma medicina,
logo se despreza, & deita fóra; de que resultao dous
graves damnos dignos de serem chorados com lagri¬
mas de sangue. O primeiro he pperder o doente a vi-
da: O segundo he, ficar a Arte infamada, porque se
despreza, & condemna como falida , & pobre de re-
medios, sendo fertilissima delles.
Mas oh ditosos enfermos, os que de tal sorte
obedeceis aos preceitos dos Medicos , como se fossem
divinos! E outra vez mais ditosos, os que para curar¬
vos, alcançastes hum Medico douto , & tao constan-
te, que a nenhumas petiçones injustas se move; nem se
dobra aos appetites dos soberanos, nem se ensurdece
aos rogos dos humildes, mas pesa em igual balança o
sayal, & a purpura, o cajado , & a coroa , mandando
fazer com liberdade o que he melhor para a saude
do enfermo, que fiou delle a sua vida! pois costuma
Deos favorecer aos intentos dos que desta maneira
curaon: Em confirmaçaon do que aqurdigo, me seja li¬
cito referir o seguinte caso, que observei em seis de
Abril de 1670. na illustre senhora Dona Paula Pa¬
checo.
4. Depois que esta senhora teve o estado de viu-
va, se entregou de sorte aos jejuns , oraçones, peniten-
cias, mortificaçones, silencio, & clausura, que mais
parecià moradora do Ceo, que habitadora da terra;
porèm , ou pelo continuo trabalho do espirito , ou pe-
lo pouco exercicio do corpo, ou pela grossaria dos
alimentos, de que (por mortificaçaon ) usava, ou pe-
las grandes penitencias que fazia, gèrou tantas crue-
zas,
| false | pt |
|
CHLMP | OMD | 1,707 | page_103.txt |
Observaçaõ IX. 63
zas, & humores tão grossos , que se obstruiraõ as veas uterinas , & por esta causa lhe faltàraõ as evacuações mensaes ; & como hum erro he causa de outro erro , da falta desta costumada descarga crescèrão , & tresbordáraõ os humores excrementicios de maneira , que obrigárão a natureza a deitallos para a superficie do corpo , aonde por estarem reprezados adquiriraõ muita salsugem , & mordicàraõ todas as partes cutaneas com tanto excesso , que sendo poucas as unhas das mãos para satisfazer à comichão , ainda era mais pouca a paciencia para a sofrer ; porque podendo esta senhora soportar os jejuns , os cílicios , as disciplinas , as clausuras , os silencios , & outras penitencias , & mortificações , não lhe era possivel tolerar aquelle pruido , porque era taõ implacavel , que quasi a deseperava.
5. Como pois eu fosse chamado para curar esta doença , entendi que toda procedia dos acidos salinos exaltados , que misturados com o sangue , o coalhavão , & engrossavaõ do mesmo modo , que o vinagre coalha o leite , se o misturaõ com elle ; & por esta razão coalhado , & engrossado o sangue , não podendo passar pelas veas , se retinha dentro no corpo , & fazia naõ só as obstrucções , mas as comichoes ; & que o seu remedio avião de ser os absorbentes alcalicos , porque retundidos , & dulcificados os acidos coagulantes , se adelgaçarião os humores , & se circulariaõ , & buscariaõ o verdadeiro caminho para sahirem do corpo , & logo se tirariaõ as obstrucções , & as comichões , & as mais queixas.
6. Comecei pois a cura , dando primeiro que tudo duas ajudas feitas de meyo quartilho de caldo de frangão cozido com farelos lavados , ajuntandolhe seis onças de assucar mascavado, sem levar outra cousa ; & para o seguinte dia ordenei quatro sangrias no braço : porque nas faltas antigas dos meses mandaõ gravissimos Doutores (5.) sangrar primeiro em cima , dando depois cinco , ou seis sangrias nos pès. Feita esta primeira diligencia , lhe receitei para beber agua co
| Obfervação IX.
zas , & humores tão groffos , que fe obftruirao as , veas uterinas, & por efta caufa lhe faltarao as eva-
cuações menfaes ; & como hum erro he caufa de ou+ tro erro , da falta defta coftumada defcarga crefcè- rão, & tresbordarao os humores excrementicios de maneira, que obrigarão a natureza a deitallos para a fuperficie do corpo , aonde por eftarem reprezados adquirirao muita falfugem , & mordicàrao todas as partes cutaneas com tanto exceffo, que fendo pou- casas unhas das mãos para fatisfazer à comichão,ain- da era mais pouca a paciencia para a fofrer ; porque podendo efta fenhora foportar os jejuns, os cilicios, as difciplinas, as claufuras, os filencios , & outras pe- nitencias, & mortificações, não lhe era poffivel tole- rar aquelle pruido, porque era tao implacavel, que quafi a defefperava.
5. Como pois eu foffe chamado para curar efta doença , entendi que toda procedia dos acidos fali- nos exaltados , que mifturados com o fangue , o coa- lhavão, & engroffavao do mefmo modo, que o vina- gre coalha o leite, fe o mifturao com elle; & por efta razão coalhado, & engroffado o langue, não poden- do paflar pelas veas, fe retinha dentro no corpo, & fazia nao fó as obftrucções , mas as comichoes; & que o feu remedio avião de fer os abforbentes alcalicos, porque retundidos , & dulcificados os acidos coagu- lantes , fe adelgaçarião os humores, & fecirculariao, & bufcariaõ o verdadeiro caminho para fahirem do corpo, & logo fe tirariao as obftrucções, & as comi- chões, & as mais queixas.
.. 6. Comecei pois a cura, dando primeiro que tu- do duas ajudas feitas de meyo quartilho de caldo de frangão cozido com farelos lavados , ajuntandolhe feis onças de affucar mafcavado, fem levar outra cou- fa ; & para o feguinte dia ordenei quatro fangrias no: braço: porque nas faltas antigas dos mefes manda graviffimos Doutores (5.) fangrar primeiro em cima, dando depois cinco, ou feis fangrias nos pes. Feita. efta primeira diligencia , lhe receitei para beber agua
.
-
63
: | Oblervacaa ..IX. 63 zas , & humores tao groffos , que fe obftruira as . cuacoes menfaes ; &como hum erro he caufa deou* tro erro ., da falta defta coftumada defcarga crefcé- rao, & tresbordara os hamores excremnticios de. maneira,queobrigarao a natureza adeitallos para a fuperficie do corpo , aonde por eftarem reprezados adquirira muita falfugem , & mordicara todas as parte's cutaneas com tanto exceffo, qae fendo pou- cas as unhas das maos para fatisfazer a comichao,ain- da era mais pouca a paciencia paraafofrer ; porque podetdo.efta fenhora foportar os jejuns, os cilicios, as difciplinas , as claufuras , os filencios , &.outras pe- nitencias,& mortificaces , nao.lhe era poffivel tole rar aquelie pruido, porque era taimplacavel, que quafi a defefperava. 5. Como pois eu foffe chamado para curar efta doenca , entendi que toda procedia dos acidos fali- nosexaltados, que mifturados com ofangue , o coa- lhavao, & engroffavaodo mefmo modo, que o vina- gre coalhaleire, feo miftura com elle; & por efta razao coalhado, & engroffado o fangue, nao poden- dopaflar pelas veas, fe retinha dentro no. corpo, & fazia na f6 as obftrucces , mas as coinichos; & que ofeu remedio aviao de fer os abforbentes alcalicos, porque retundidos,& dulcificados os acidos coagu- lantes, fe adelgagariaoos humores, & fecircularia, & bufcaria o verdadeiro.caminho para fahirem do corpo,& logofe tiraria as obftruccoes, & as comi- choes, & as mais queixas. 6.. Comecei pois a cura, dandoprimeiro que tu- doduas ajudas feitas de meyo quartilho de caldo de frangao cozido com farelos lavados , ajuntandolhe feis oncas de affucar mafcavado, fem tevar outra teu- fa ; & para o feguinte dia ordenei quatro .fangrias no: braco: porque nas faltas antigas..dos mefes mandaö graviffimos Doutores (5.) fangrar primeiro em cima, dando depois cinco, ou feis fangrias nos pes. Feita. efta primtira diligencia., lhe receitei para beber agua c0- | * Obfervaçãóá IX. = é =
21as , & humores tão groffos , que fe obftruiraô as —
Neas uterinas , & por efta caufa lhe faltãraõ as evas
- cuações menfaes ; & como hum erro hecaufa de ou*
tro erro , da falta defta coftumada defcarga crefcês
rão, & tresbordáraô os humores excrementicios de
maneira , que obrigárão a natureza adeitallos para a '
fuperfície do corpo , aonde por eftarem reprezados
adquiriraó muita falfugem , & mordicàâraó todasas — + Nr
partes cutaneas com tanto exceflo, que fendo pouz
casas unhásdas mãos para fatisfazer à comichão,ain-
da era mais pouca a paciencia para a fofrer ; porque
podendo efta fenhora foportar os jejuns , os cilicios,
as difciplinas, as claufuras , os filencios ,“8& outras pe-
nitencias, & mortificações , não lhe era poffivel tole.
rar aquelle pruido, porque era taGimplacavel, que
quafi a defefperava. . Dodo :
5- “Como pois eu fofle chamado para curarefta - : -
“doença , entendi que toda procedia dos acidos fali- : !
nosexaltados, que mifturados com o fangue ,'0 coa-
lhavão, & engroflavaô do mefmo modo, queo vina-s :
gre coalha e leire, fe o mifturaô comelle; & porefta
razão coalhado , & engroflado 'ofangue , não poden- ! e.
do paflár pelas veas., fe retinha dentro no corpo, &
fazia naó FA as obftrucções , mas as comichoês; & que
ofeu remedio avião de fer os abforbentes alcalicos, SN
porque retundidos , & dulcificados os acidos apagu-
Jantes , feadelgaçarião os humores , & fecirculariaõ,.
& búfcariaó o verdadeiro caminho para fahirem do
'córpo, & logo fe tirariaô as obftrucções , & as comi-
chões, & as mais queixas: Na
. 6 Comeceipois acura, dando primeiro que tu-
doduas ajudas feitas de meyo quartilho de caldo de
frangão cozido com farelos lavados , ajuntandolhe
feis onças de aflucar mafcavado , fem levar outra ceu-
fa ; & para o feguinte dia ordenei quatro fangrias no:
braço: porque nas faltas afitigas. dos meles mándaó
graviflimos Doutores (5.) fangrar primeiro em cima,
“dando depois cinco, ou feis-fangrias nos .pês. Feita,
'elta primeira diligencia , lhereceitei para beber agua
“Co .
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E mi i
Ho
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| 63
Observaçaon IX.
zas, & humores tamo grossos, que se obstruiraon as
veas uterinas, & por esta causa lhe faltàraon as eva¬
cuaçones mensaes; & como hum erro he causa de ou¬
tro erro, da falta desta costumada descarga crescè¬
ramò, & tresbordárao os humores excrementicios de
maneira, que obrigaramo a natureza a deitallos para a
superficie do corpo, aonde por estarem reprezados
adquiriraon muita salsugem, & mordicàraon todas as
partes cutaneas com tanto excesso, que sendo pou¬
cas as unhas das maos para satisfazer à comichamo, ain¬
da era mais pouca a paciencia para a sofrer; porque
podendo esta senhora soportar os jejuns, os cilicios,
as disciplinas, as clausuras, os silencios, & outras pe¬
nitencias, & mortificaçones, namo lhe era possivel tole¬
rar aquelle pruido, porque era taon implacavel, que
quasi a desesperava.
5.
Como pois eu fosse chamado para curar esta
doença, entendi quo toda procedia dos acidos sali-
nos exaltados, que misturados com o sangue, o coa¬
lhavamo, & engrossavaon do mesmo modo, que o vina-
gre coalha o leite , se o misturaon com elle ; & por esta
razamo coalhado, & engrossado o sangue, nano poden¬
do passar pelas veas, se retinha dentro no corpo, &
fazia naon so as obstrucçones, mas as comichoes; & que
o seu remedio aviao de ser os absorbentes alcalicos,
porque retundidos, & dulcificados os acidos coagu¬
lantes, se adelgaçariamo os humores, & se circulariao,
& buscariaon o verdadeiro caminho para sahirem do
corpo, & logo se tirariaon as obstrucçones, & as comi¬
choes, & as mais queixas.
6. Comecei pois a cura, dando primeiro que tu¬
do duas ajudas feitas de meyo quartilho dę caldo de
frangamo cozido com farelos lavados, ajuntandolhe
seis onçàs de assucar mascavado, sem levar outra cou¬
sa; & para o seguinte dia ordenei quatro sangrias no
braço: porque nas faltas antigas dos meses mandaon
gravissimos Doutores (5.) sangrar primeiro em cima,
dando depois cinco, ou seis sangrias nos pès. Feita
esta primeira diligencia, lhe receitei para beber agua
co¬
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_104.txt |
64 Observações Medicas Doutrinaes.
cozida com avenca , & pimpinela , soltando em duas camadas della meya onça das minhas pilulas Alcalicas , que saõ o melhor absorbente , & dulcificante que tem a Medicina : (& nas terras onde não se acharem as ditas pilulas , podem servir , ainda que com virtude muito inferior ; os olhos dos caranguejos preparados ) paraque deste modo se fossem dulcificando os acidos congelantes , & consequentemente se fossem soltando , & circulando os humores , que por congelados , & reteudos pelos acidos , eraõ a causa das queixas que padecia . Tambem lhe receitei , para tomar em jejum , & ao sol posto , os oito xaropes seguintes . Tomai de cascas de raizes de salsa das hortas , de lingua de vacca , & de angelica , de cada cousa destas huma onça ; de erva molarinha , luparos , avenca , & cerfolio , de cada cousa destas huma maõ cheya ; de polypodio de carvalho bem machucado huma onça , tudo se coza (conforme os preceitos da Arte) em panela de barro com seis quartilhos de agua commua , até se gastar ametade ; & neste cozimento coado mandei deitar de insusaõ huma onça de folhas de seno de Lapata , (que he melhor que o de Tripoli , porque este he bravio , & faz dores no ventre ,) & passadas doze horas , se torne a coar o tal licor , & a cinco onças delle mandei ajuntar huma onça de xarope Sapor Regis , & dous escropulos de cremores de tartaro verdadeiros ; com estes xaropes naõ só se foraõ purgando suavemente os humores viscosos , & acido-salinos , mas foraõse juntamente abrindo as obstrucções ; & o q mais he, se forão excitando os rins , paraque fizessem bem o officio , que tem , de repurgar pela ourina a massa sanguinaria dos soros salgados , & picantes , que abundavaõ na doente ; porque , como diz Poterio , (6.) pela froxidaõ , & debilidade , ou obstrucções , que os rins contrahem por varias causas , hũa das quaes saõ os alimentos grosseiros , terrestres , ou salgados , succede muitas vezes naõ poderem attrahir os soros , q estaõ misturados com o sangue , & ficando este impuro , & salgado , necessariamente ha de remear , & sahir para fóra à superfície
| Obfervações Medicas Doutrinaes.
cozida com avenca, & pimpinela, foltando em duas canadas della meya onça das minhas pilulas Alcali- cas, que fao o melhor abforbente, & dulcificante que tem a Medicina : (& nas terras onde não fe acharem as ditas pilulas, podem fervir, aindaque com virtude mais to inferior ; os olhos dos caranguejos preparados ) pa- raque defte modo fe foftem dulcificando os acidos congelantes, & confequentemente fe foffem foltan- do, & circulando os humores, que por congelados, & reteudos pelos acidos, erao a caufa das queixas que padecia. Tambem lhe receitei, para tomar em jejum,. & 20 fol pofto, os oito xaropes feguintes. Tomai de cafcas de raizes de falfa das hortas, de lingua de vac- ca, & de angelica, de cada coufa deftas huma onça; de erva molarinha, luparos, avenca, & cerfolio, de cada coufa deftas huma mao cheya; de polypodio de carvalho bem machucado huma onça, tudofe coza (conforme os preceitos da Arte ) em panela de bar- ro com feis quartilhos de agua commua, até fe gaf- tar ametade; & nefte cozimento coado mandei dei- tar de infufao huma onça de folhas de fenede Lapata, (que he melhor que o de Tripoli, porque efte he bra- vio , & faz dores no ventre, ) &. paffadas doze ho- ras , fe torne a coar o tal licor , & a cinco onças delle mandei ajuntar huma onça de xarope Sapor Regis , & dous ofcropulos de cremores de tartaro verdadeiros; com eftes xaropes naa fo fe forao purgando fuave- mente os humores vifcofos, & acido-falinos, mas fo -. raofe juntamente abrindo as obftrucções; & o q mata. he, fe forão excitando os rins, paraque fizeffem bem a. oficio, que tem , de repurgar pela ourina a maffa fan- guinaria dos foros falgados, & picantes, queabundavào na doente; porque, como diz Poterio, (6.) pela froxi- dao,& debilidade , ou obftrucções, que os rins contra- hem por varias caufas, hua das quaes fao os alimentos groffeiros, terreftres , ou falgados, fuccede muitas ve- zes nao poderem attrahir os foros, q eftaõ mifturados com o langue , & ficando efte impuro , & falgado, ne- ccffariamente ha de remear , & fahir para fora a fuper-
ficie
- | 64 Obfervacoes Medicas Doutrinaes. cozida com avenca, & pimpinela, foltando em dua canadas della meya onca das minhas pilulas Alcali. cas, que fa o mellor abforbente , & dulcificanteqne tem a Medicina : (& nas terras onde naofc acharem as ditas pilula-,podem fervir,aindaquc com virtude mai: to inferior ; ös.olhos dos caranguejos preparados ) pa-. raque defte modo.fe foffem duléificando os acidos Congelantes, & confequentemente fe foffem foltan- do, & circulando os humores, que por congelados, & reteudos pelos acidos, eraa caufa das qucixas qne padecia. Tambem lhe receitei , para tomar cm jejum, & aofol pofto, os oito xaropes feguintes. Tomai de cafcas de raizes de falfa das hortas, de lingua de vac- de erva molarinha, luparos, avenca, &cerfolio, de cada coufa deftas hunama cheya; de polypodio de carvatho bem machucado huma onga, tudofe coza (conforme os preceito's da Arte ) em panela de.bar- Fo com feis quartilhos de agua commua, atéfegaf. tar ametade; & nefte coziménto:coado mandei dei tar de infufaö huma onca de folhas de fenede Lapata, (que he melhor.que o de Tripoli , porque efte he bra-. vio ,& faz dores no ventre,)&.paffadas doze ho ras, fe tornea cqaro tallicor , & acinco oncas delle mandei ajuntar huma onca de xarope Sapor Regi,& . dous fcropulos decremores de tartaro verdadeiros;: com eftes xaropes naafo.fe forao purgando fuave-. mente os humores vifcofos, & acido-falinos,mas fo-. rafe juntamenteabrinda as obftrucsöes, & o mais. he, fe forao excitando os rins, paraque fizefferm bem a. officio , que tem , de repurgar pela ourina a maffa fan- guinaria dos foros falgados,& picantes,queabundava na doente, porgue, como diz Poterio, (.) pela froxi- da,& debilidade , qu obftruccöes, que os rins'contra- hem por varias caufas, htia das quaes.fao.os alimentos groffeirs, terreftres , ou falgadas, fuccede muitas ve-- zes na poderemattrahir os foros , efta mifturados com o fangue,& ficandoefte impuro,& falgado, ne- ccffariarmente ha de remear , & fahir para fóraa fuper: ficie | 6% Obfervações Medicas Doutrinaes.
cozida com avenca , & pimpinela, foltando emduas — |
canadas della meya onça das minhas pilutas Alcali- ”
! €as, que faõ omelhor abforbente , & dulcificante que
tem a Medicina: (& nas terras onde nãofe acharem as
ditas pijulas, podem fervir,aindaque com virtude muis
to inferior ; os.olhos dos caranguejos preparados ) pa-
raque defte modo fe foflem duleificando os acidos
e... ' — congelantes, & confequentemente fe foflem foltan-
do, & circulando os humores, que por congelados,
& reteudos pelos acidos, eraõ a caufa das queixas que
padecia. Tambem lhe receitei, para tomar em jejum, -
& 20 fol pofto, os oito xaropes feguinres. Tomai de
cafcas de raizes de falfa das hortas, de lingua de vac-'
ca, & deangelica, de cada confa deftas huma onça;
. deervamotlarinha, luparos, avenca , &cerfolio, de
-« cadácoufadeftas huma maô cheya; de polypodio de
- carvalho bem machucado huma onça, tudofe coza
(conforme os preceitos da Arte ) em panela de bar-'
ro com feis quartilhos de agua commua , até fe af».
tar ametade ; & nefte cozimento coado mandei deix
tarde infufaô huma onça de folhas de fenede Lapata,
(que he melhor que o de Tripoli, porque efte he bra-
vio , & faz dores no ventre, ) & pafladas doze hos.
ras, fetornea coarotal licor, & acinco onças delle
mandei ajuntar huma onça de xarope Sapor Regis, &e .'
dous efcropulos de cremores detartaro verdadeiros;
com eftes xaropes naõ fó fe foraó purgando fuave-
mente os humores vifcofos, & acido-falinos , mas fo-,
raófe juntamenteabrindo as obftrucções; & ogqmais, |
he, fe forão excitando os rinº, paraque fizefiem bem a
officio, que tem , de repurgar pela ourina a mafla fan-
guinaria dos foros falgados,& picantes,queabundavaõ
na doente; porque, como diz Poterio, (6.) pela froxi-
daõ,& debilidade , ou obftrucções, que os rins conrra-
hem por varias caufas, ha das quaes faõ.0s alimentos
groffeirôs, terreftres , ou falgadas, fuccede muitas ve-
zes naó poderem attrahir os foros , j eftaô mifturados.
como fangue , & ficando efte impuro, & falgado, ne. |
ceffariamente ha de remear , & fahir para fóra à faper |
o. : cie
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| 64 Observaçones Medicas Doutrinaes.
cozida com avenca, & pimpinela, soltando em duas
canadas della meya onça das minhas pilulas Alcali¬
cas, que saon o melhor abforbente, & dulcificante que
tem a Medicina: (& nas terras onde namo se acharem as
ditas pilulas, podem servir, aindaque com virtude mui¬
to inferior; os olhos dos caranguejos preparados) pa¬
raque deste modo se fossem dulcificando os acidos
congelantes, & consequentemente se fossem soltan-
do, & circulando os humores, que por congelados,
& reteudos pelos acidos, eraon a causa das queixas que
padecia. Tambem lhe receitei, para tomar em jejum,
& ao sol posto, os oito xaropes seguintes. Tomai de
cascas de raizes de salsa das hortas, de lingua de vac-
ca, & de angelica, de cada cousa destas huma onça;
de erva molarinha, luparos, avenca, & cerfolio, de
cada cousa destas huma maon cheya; de polypodio de
carvalho bem machucado huma onça, tudose coza
(conforme os preceitos da Arte) em panela de bar-
ro com seis quartilhos de agua commua, até se gas¬
tar ametade; & neste cozimento coado mandei dei¬
tar de infusaon huma onça de folhas de sene de Lapata,
que he melhor que o de Tripoli, porque este he bra-
vio, & faz dores no ventre,) & passadas doze ho-
ras, se torne a coaro tal licor, & a cinco onças delle
mandei ajuntar huma onça de xarope Sapor Regis, &
dous escropulos de cremores de tartaro verdadeiros;
com estes xaropes naon so se foraon purgando suave¬
mente os humores viscosos, & acido-salinos, mas fo¬
raonse juntamente abrindo as obstrucçones; & o que mais
he, se foramo excitando os rins, paraque fizessem hem o
officio, que tem, de repurgar pela ourina a massa san-
guinaria dos soros salgados, & picantes, que abundavaon
na doente; porque, como diz Poterio, (6.) pela froxi¬
daon, & debilidade, ou obstrucçones, que os rins contra¬
hem por varias causas, huma das quaes saon os alimentos
grosseiròs, terrestres, ou salgados, succede muitas ve¬
zes naon poderem attrahir os soros, quae estaon misturados
com o sangue , & ficando este impuro, & salgado, ne¬
cessariamente ha de remear, & sahir para fora à super¬
ficie
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_105.txt |
Observaçaõ IX. 65
ficie do corpo , corroendoa , vellicandoa , & fazendo em humas pessoas comichões , em outras pustulas , ou lepras , & em outras hydropesias . Nem se admirem que eu mandasse tomar os sobreditos oito xaropes duas vezes no dia ; porque tenho observado com a experiencia de muitos annos que as doenças antigas , & as que tem raizes mui profundas , ou estaõ em partes mui distantes , se não podem curar sem remedios mui efficazes , & repetidos , porque de outra sorte , sendo os remedios leves , ou poucas vezes applicados , naõ chegão com virtude aos lugares enfermos aonde hão de servir , & conseguintemente se balda o trabalho , & não se consegue a saude . Não he opinião minha , he sentença de Galeno , (7.) o qual fallando com os Medicos , lhes diz assim : Se alguma parte estiver doente em lugar muito distante , serà razaõ excogitar algum remedio , cuja virtude seja taõ efficaz , & permanente , que não se acabe antes de chegar ao lugar aonde ha de servir . E em outro lugar (8.) diz : Mais valentes , & efficazes remedios saõ necessarios para as doenças , que estaõ em partes profundas , que para as que estaõ na superficie do corpo . E em outra parte (9.) diz : Pela qual razaõ ou o medicamento seja daquelles , que se applicaõ por fora , ou daquelles que se tomao por dentro , lhe naõ avemos de considerar a virtude , que de presente tem , mas que virtude teraõ , quando chegarem ao lugar offendido ; porque verdadeiramente o remedio , que passa por muitas partes antes que chegue àquella aonde ha de servir , perde totalmente na passagem a virtude , & efficacia , se desde o seu principio he fraco , & de pouca virtude .
7. Preparados que tive os humores com os xaropes mui repetidos , ordenei a purga seguinte . Tomem de xarope sobredito cinco onças , & nellas mandei infundir dous escropulos de agarico trociscado , & meya onça de catholicaõ atado em ligadura , & passadas seis horas , se coe tudo por panno tapado , & se ajuntem dous escropulos de cremores de tartaro verdadeiro , & se dè a beber ao enfermo ; & passados dous dias,
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'Obfervaçao IX.
ficie do corpo, cortoendoa, vellicandoa, & fazendo em humas peffoas comichões , em outras puftulas, ou lepras, & em outras hydropefias. Nem fe admi- rem que eu mandaffe tomar os fobreditos oito xaro- pes duas vezes no dia ; porque tenho obfervado com a experiencia de muitos annos que as doenças antigas, & as que tem raizes mui profundas, ou eftaő em par- tes mui diftantes , fe não podem curar fem remedios mui efficazes, & repetidos, porque de outra forte, fendo os remedios leves , ou poucas vezes applica- dos, naõ chegão com virtude aos lugares enfermos aonde hão de fervir , & confeguintemente fe balda o trabalho , & não fe confegue a faude. Não he opi- nião minha,he fentença de Galeno, (7.) o qual fallan- do com os Medicos, lhes diz affim : Se alguma parte eftiver doente em lugar muito diftante, fera razaõ ex- cogitar algum remedio , cuja virtude feja tao eficaz, & permanente, que não fe acabe antes de chegar ao lugar aonde ha de fervir. E em outro lugar (8.) diz : Mais valentes, & eficazes remedios fao neceffarios para as doenças , que eftaõ em partes profundas, que para as que eftao na Superficie do corpo. E em outra parte (9.) diz: Pela qual razaõ ou o medicamento feja daquelles , que fe applicaõ por fora, ou daquelles que fe tomao por den- tro, the nao avemos de considerar a virtude , que de pre- fente tem , mas que virtude terao , quando chegarem ao lugar ofendido ; porque verdadeiramente o remedio, que paffa por muitas partes antes que chegue aquella conde ha de fervir , perde totalmente na paffagem a vir- tude , & efficacia, fe defde o feu principio be fraco , & de pouca virtude.
: 7. Preparados que tive os humores com os xaro- pes mui repetidos , ordenei a purga feguinte. Tomem de xarope fobredito cinco onças, & nellas mandei in- fundir dous efcropulos de agarico trocifcado, & meya onça de catholicao atado em ligadura , & paffadas feis horas, fe coe tudo por panno tapado, & fe ajun- tem dous efcropulos de cremores de tartaro verda- deiro, & fede a beber ao enfermo ; & paffados dous dias, | Obfervacao. IX: 6`5 fcie döcorpo, corroendoa, vellicandoa,&.fazendo em humas peffoas comiches , em outras puftulas, ou lepras, & em outras hydropefias. Nem fe admi- 'rem que eu mandaffe tomar os fobreditos oito xaro- pés duas vezes no dia ; porque tenh obfervado com a experiencia de'muitos annos que'as doencas antigas, & as que tem raizes mui profundas , ou eftaö em par- tes muidiftantes, fe nao podem curar fem reimedios mui efficazes, & repetidos, porque de outra forte, fendo os remedios leves , ou poucas vezes applica- dos, nao chegao com virtude aos lugares enfermo$ aonde hao defervir , & confeguintemente fe balda trabalho , & nao fe confegue a faude. Näo heopi- niao minha,he fentenca de Galeno, (7.) o qual fallan- docom os Medicos, lhes diz affim : Se alguna parte eftiver doente em lugar muito diftante, /era razaoex- cogitar algum remedio , cuja virtude feja ta efficaz, ds permanente, que naofe acabe anites de chegar ao lugar aonde ha de/ervir. E em outro lugar(8.) diz : Mai valentes, efficazes reinedios fa neceffarios para as doengas, que efta em partes profundas, que para as que efta nafuperficie docorpo. E em outra parte (9.) diz: Pelaqual raza ou o medicamentofeja daquelles, que feapplicapor fora, ou daquelles quefe toma por der- tro, lbe na avemos de conpderar & virtude , gue de pre- fente tem, mas que virtudetera; quando chrgarem ao lugar offendido ; porque verdadeiramente o remedis que papfa por muitas partes antes que cbegue aquclla aonde ba defervir , perde totalmente napafflagem a vir- tude, &efficacia, Je defde ofeuprincipio be fraco, de pouca virtude. :. 7. Preparados que tive os humores comos xaro- pes mui repetidos, ordenei a purga feguinte. Tomem de xarope fobredito cinco oncas, & nellas mandei in- fundir dous efcropulos de agarico trocifcado, & meya onca de catholica atado em ligadura , & paffadas feis horas, fe coe. tudo por panno tapado, & fe ajun- tem dous efcropulos de cremores de tartaro verda- deiro, & fede abeber aoenfermo; & paffados dous dias, | Obfervação TX. 65
ficie dôcorpo, cortoendoa , vellicandoa , & fazendo ,
em humas pefloas comichões , em outras puftulas, .
ou lepras , & em outras hydropefias. Nem fe admi-
Tem que en mandaíle tomar os fobreditos oito xaro- .
pes duas vezes no dia ; porque tenho obfervado coma
experiencia de' muitos annos que as doenças antigas,
& as que tem raizes mui profundas , ou eftaô em par-
tes muidiftantes , fe não podem curar fem remedios
mui efficazes , & repetidos, porque de outra forte,
fendo os temedios leves , ou poucas vezes applica-
dos , naó chegão com virtude aos lugares enfermos
aonde hão defervir , & confeguintemente fe balda o
trabalho , & não fe confegue a faude. Não he opi-
nião minha,he fentença de Galeno, (7.) o qual fallan-
do com os Medicos , lhes diz afim : Se alguma parté
eftíiver doente em lugar muito diftante , fera razao ex-
cogitar algum remedio , cuja virtude feja tao efficaz, &
permanente , que não fe acabe antes de chegar ao lugar
aonde ba de fervir. É em outro lugar (8.) diz: Mas
valentes, & éfficazes remedios fão neceffarios para à
doenças , que eftao em partes profundas, que parva as que
eftao na fiperficie do corpo. É em outra parte (9.) diz:
Pela qual razao ouo medicamento feja daqueles, que
feapplicao por fora , ou daquelles que fe tomao por der-
tro, lhe não avemos de conhderar à virtude , que de pre-
Sente tem, mas que virtude terão , quando chegarem ao
lugar offendido ; porque verdadeiramente o remedio,
que pf [A muitas partes antes que chegue àquella
aonde ba de fervir , perde totalmente na palfagem a vir-
tude , E eficacia, fe defde o feu principio be fraco , & de
Poucasvirtude. o '
'7. Preparados quetive os humores com os xaro-
pes mui repetidos, ordenei a purga feguinte. Tomem
de xarope fobredito cinco onças , & nellas mandei in-
fundir dous efcropulos de agarico trocifcado, & meya
onça de catholicaô atado em ligadura , & pafladas
feis horas, fe coe tudo por panno tapado, & fe ajun-
tem dous efcropulos de cremores de tartaro verda-
deiro, & fedê a beber ao enfermo ; & paflados dous
| Observaçaon
IX.
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ficie dò corpo, corfoendoa , vellicandoa , & fazendo
em humas pessoas comichôes, em outras pustulas,
ou lepras, & em outras hydropesias. Nem se admi¬
rem que eu mandasse tomar os sobreditos oito xaro¬
pes duas vezes no dia; porque tenho observado com a
experiencia de muitos annos que as doenças antigas,
& as que tem raizes mui profundas, ou estao em par¬
tes mui distantes, se namo podem curar sem remedios
mui efficazes, & repetidos, porque de outra sorte,
sendo os remedios leves, ou poucas vezes applica¬
dos, nao chegao com virtude aos lugares enfermos
aonde hao de servir, & conseguintemente se balda o
trabalho, & namo se consegue a saude. Namo he opi¬
niamo minha, he sentença de Galeno, (7.) o qual fallan-
do com os Medicos, lhes diz assim: Se alguma parte
estiver doente em lugar muito distante, sera razaon ex¬
cogitar algum remedio, cuja virtude seja taon essicaz, &
permanente, que nao se acabe antes de chegar ao lugar
aonde ha de servir. E em outro lugar (8.) diz: Mau
valentes, & efficazes remedios sao necessarios para as
doenças, que estao em partes profundas, que para as que
estao na superficie do corpo. E em outra parte (9.) diz:
Pela qual razaon ouo medicamento seja daquelles, que
se applicaon por fora, ou daquelles que se tomaò por den¬
tro, lhe nao avemos de considerar à virtude, que de pre¬
sente tem, mas que virtude terao, quando chegarem ao
lugar offendido; porque verdadeiramente o remedio,
que passa por muitas partes antes que chegue aquella
aonde ha de servir, perde totalmente na passagem a vir-
tude, & efficacia, se desde o seu principio he fraco, & de
pouca virtude.
7. Preparados que tive os humores com os xaro-
pes mui repetidos, ordenei a purga seguinte. Tomem
de xarope sobredito cincò onças , & nellas mandei in-
fundir dous escropulos de agarico trociscado, & meya
onça de catholicaon atado em ligadura, & pastadas
seis horas, se coe tudo por panno tapado , & se ajun-
tem dous escropulos de cremores de tartaro verda-
deiro, & se dè a beber ao enfermo ; & passados dous
dias,
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_106.txt |
66 Observações Medicas Doutrinaes.
dias , lhe fiz tomar a mesma purga , porque he mui propria para este caso , & descansando tres dias , lhe fiz tomar , de cinco em cinco dias , as pilulas seguintes , que para alimpar o corpo de humores grossos , viscosos , & salinos , excedem a todos os remedios da Arte . Tomai de mercurio precipitado com oleo de enxofre campanado cinco grão , misturemse com o que bastar de confeiçaõ de Jacintos , & se forme huma pilula , que se tomarà na madrugada , & descansando cinco dias se tome outra prepara do mesmo modo , & se vaõ continuando , até que se tomem as ditas seis , & descansando entaõ seis dias , lhe ordenei tomasse as duas apozemas seguintes . Tomai de passas sem grainha huma onça , de cascas de raizes de borragens , de salsa , de funcho , & de grama , de cada cousa destas tres oitavas , tudo se coza em panela de barro , com o que bastar de agua commua para duas apozemas , & neste cozimento se infundaõ de assucar rosado de Alexandria quatro onças , de folhas de sene de lapata quatro oitavas , de conserva de borragens onça & meya , & coandose tudo com forte expressaõ , ajuntei a cinco onças deste cozimento duas onças de xarope Rey , & huma oitava de cremor de tartaro ; & com este remedio conheceo notavel melhoria. Finalmente para acabar de vencer huma doença taõ antiga , & huma comichaõ taõ rebelde , ordenei (como remedio precisamente necessario para abrir as veas ) o uso do aço , que tomou quarenta dias , preparado sem vinagre , sem oleo de enxofre , & sem outros dissolventes azedos , nem corrosivos , mas preparado sómente com agua da fonte ; porque a experiencia me tem ensinado , que os remedios , que se preparaõ com licores azedos , perdem a virtude antacida , & absorbente dos humores acres , & jà naõ ficaõ alcalicos vazios , porquanto estaõ cheyos dos dissolventes azedos com que se preparàraõ , & por esta razão naõ surtem os grandes effeitos , que delles se esperaõ . Pelo contrario os remedios , que se preparaõ sem menstruos azedos , conservaõ a vírtude antacida , absorbente , & alcalica,
| 66 Obfervações Medicas Doutrinaes.
dias, lhe fiz tomar a mefma purga, porque he mui propria para efte cafo, & defcanfando tres dias, lhe fiz tomar, de cinco em cinco dias., as pilulas feguin- tes , que para alimpar o corpo de humores groffos, vifcofos, & falinos, excedem a todosos remedios da Arte. Tomai de mercurio precipitado com oleo de enxofre campanado cinco grãos, mifturemfe com o que baftar de confeiçao de Jacintos, & fe forme huma pilula, que fe tomarà na madrugada, & defcanfando cinco dias fe tome outra preparada do mefmo modo, & fe vao continuando, até que fe tomem as ditas feis, & defcanfando entao feis dias , lhe ordenei tomaffe as duas apozemas feguintes. Tomai de paffas fem grai- nha huma onça, de cafcas de raizes de borragens, de falfa, de funcho, & de grama, de cada coufa deftas tres oitavas , tudo fe coza em panela de barro, com o que baftar de agua commùa para duas apozemas, & nefte cozimento fe infundao. de affucar rofado de Alexandria quatro onças, de folhas de fene de lapa- ta quatro oitavas, de conferva de borragens onça & meya, & coandofe tudo com forte expreffao, ajun- tei a cinco onças defte cozimento duas onças de xa- rope Rey , & huma oitava de cremor de tartaro; & com efteremedio conheceo notavel melhoria. Final- mente para acabar de vencer huma doença tao anti- ga, & huma comichao tao rebelde, ordenei ( como remedio precifamente neceffario para abrir as veas) o ufo doaço, que tomou quarenta dias , preparado fem vinagre, fem oleo de enxofre, & fem outros dif- folventes azedos , nem corrofivos, mas preparado fó- mente com agua da fonte ; porque a experiencia me tem enfinado, que os remedios, que fe preparaõ.com licores azedos, perdem a virtude antacida, & abfor- bente dos humores acres , & jà nao ficao alcalicos va- zios, porquanto eftaõ cheyos dos diffolventes azedos com que fe prepararao, & por efta razão naõ furtem os grandes effeitos, que delles fe efperaõ. Pelo contra- rio os remedios, que fe preparaõ fem menftruos aze- dos, confervao a virtude antacida , abforbente , & al-
calica, | 66 Obfervacoes Medicas Doutrinaés. dias, lhe fiz tomar a mefma purga, porque hemui propria para efte cafo,& defcanfando tres dias, lhe fiz tomar , de cinco em cinco dias, as pilulas feguin- tes, que para alimpar o corpo de humores groffos, vifcofos, & falinos, excedem a todosos remedios da Arte. Tomai de mercurio precipitado com oleode enxofre campanado cinco graos, mifturemfe com o que baftar de confeica de Jacintos, & fe forme huma pilula, que fe tomara na madrugada, & defcanfando cinco dias fe tome outra preparada do mefmo modo, &feva continuando, ate que fe tomem as ditas feis, & defcanfando enta feis dias , lhe ordenei tomaffe as duas apozemas feguintes. Tomai de paffas fem grai- nhahuma onca, de cafcas de raizes.deborragens, de falfa, defuncho, & de grama, decada coufa deftas tresoitavas, tudo fecoza em panela de barro, com oque baftar de agua coinmua para duas apozemas, & nefte cozimento fe infunda.de affucar rofado de Alexandria quatro onsas, de folhas de fene delapa- ta quatro oitavas, de conferva de borragens. onca & meya,& coandofe tudo com forte expreffa, ajun- tei a cinco oncas defte cozimento duas oncas dexa- rope Rey , &huma oitava de cremor de tartaro; & com efte remedio conheceo notavel melhoria. Final- mente para acabar de vencer huma doenca ta anti- ga, & huma comicha ta rebelde, ordenei (como remedio precifamente neceffario para abrir as veas) oufo doaco, que tomou quarenta dias ; preparad fem vinagre, fem oleo de enxofre, & fem outros dif- folventes azedos , nem corrofivos , mas preparado f6- mente con agua da fonte ; porqueaexperiencia me tem enfinado, queos remedios, que fe prepara.com licores azedos, perdem a virtude antacida, & abfor- bente dos humores acres , & ja na fica alcalicos va zios, porquantoefta cheyos dos diffolventes azedos com que fe preparara, & por efta razao nafurtem os grandes effeitos, que delles feefpera. Pelocontra- .rio os remedios, que fe prepara fem menftruos aze- dos, conferva a virtude antacida , abforbente, & al calica, | 66 Obfervações Medicas Doutrinaés.
dias, lhe fiz tomar a mefma.purga, porque be mui
ropria para efte cafo, & defcanfando tres dias, lhe.
É, tomar , de cinco em cinco dias, as pilulas feguin-'
tes, que para alimpar o corpo de humores groflos, *
vifcolos, & falinos, excedem a todosos remedios da
Arte. Tomai de mercurio precipitado com oleo de
enxofre campanado cinco grãos , mifturemfe com o
'que baftar de confeiçaô de Jacintos, & fe forme huma
pilula , que fe tomarà na madrugada, & defcanfando
cinco dias fe tome outra preparada do mefmo modo ,
& fevaõ continuando , até que fetomem as ditas feis,
& defcanfando entaóõ feis dias , lhe ordenei tomaíle as
duas apozemas feguintes. Tomai de paífas fem grai-
nha huma onça, de cafcas de raizes de borragens, de
falfa, defuncho, & de grama , decada coufa deftas
« tresoitavas, tudo fecoza em panela de barro, com
oque baftar de agua commua para duas apozemas,
& nefte cozimento fe infundaõ. de aflucar rofado de
Alexandria quatro onças, de folhas de fene delapa-
ta quatro eitavas , de conferva de borragens onça &
meya , & coandofe tudo com forte expreffaô, ajun-.
teia cinco onças defte cozimento duas onças de xa-
rope Rey, & huma oitava de cremor de tartaro; &
com efte remedio conheceo notavel melhoria. Final.
mente para acabar de vencer huma doença taô anti=
ga, & huma comichaõ taô rebelde, ordenei ( como
. remedio precifamente neceflario para abrir as veas)
oufo doaço, que tomou quarenta dias ; preparada
fem vinagre, femoleo de enxofre , & fem outros dif.
folventes azedos , nem corrofivos, mas preparado fó-
mente com agua da fonte; porque a experiencia me
tem enfinado, que os remedios , que fe preparaô com
licores azedos , perdem a virtude antacida , & abfor-
. bente dos humores acres , & jà naô ficaó alcalicos vaz
zios, porquanto eftaô cheyos dos diffolventes azedos
com que fe prepáràraõ, & por efta razão naó furtem os
grandes effeitos, que delles fe efperaõ. Pelo contra-
Fio os remedios , que fe preparaô fem menftruos aze-
dos , confervaô a virtude antacida , abforbente, & al-
calica,
| 66 Observaçones Medicas Doutrinaes.
dias, lhe fiz tomar a mesma purga, porque he mui
propria para este caso, & descansando tres dias, lhe
fiz tomar, de cinco em cinco dias, as pilulas seguin¬
tes, que para alimpar o corpo de humores grossos,
viscosos, & salinos, excedem a todos os remedios da
Arte. Tomai de mercurio precipitado com oleo de
enxofre campanado cinco granos, misturemse com o
que bastar de confeiçaon de Jacintos , & se forme huma
pilula, que se tomarà na madrugada, & descansando
cinco dias se tome outra preparada do mesmo modo ,
& se vaon continuando, até que se tomem as ditas seis,
& descansando entaon seis dias, lhe ordenei tomasse as
duas apozemas seguintes. Tomai de passas sem grai¬
nha huma onça, de cascas de raizes de borragens, de
salsa, de funcho, & de grama, de cada cousa destas
tres oitavas, tudo se coza em panela de barro, com
o que bastar de agua commua para duas apozemas,
& neste cozimento se infundaon de assucar rosado de
Alexandria quatro onças, de folhas de sene de lapa-
ta quatro oitavas, de conserva de borragens onça &
meya, & coandose tudo com forte expressao, ajun¬
tei a cinco onças deste cozimento duas onças de xa-
rope Rey, & huma oitava de cremor de tartaro; &
com este remedio conheceo notavel melhoria. Final¬
mente para acabar de vencer huma doença tao anti¬
ga, & huma comichaon tao rebelde, ordenei (como
remedio precisamente necessario para abrir as veas
ouso do aço, que tomou quarenta dias, preparado
sem vinagre, sem oleo de enxofre, & sem outros dis-
solventes azedos, nem corrosivos, mas preparado so¬
mente com agua da fonte; porque a experiencia me
tem ensinado, que os remedios, que se preparaon com
licores azedos, perdem a virtude antacida, & absor¬
bente dos humores acres, & jà naon ficaon alcalicos va¬
zios, porquanto estaon cheyos dos dissolventes azedos
com que se preparàraon, & por esta razano naon surtem os
grandes effeitos, que delles se esperao. Pelo contra-
rio os remedios, que se preparao sem menstruos aze¬
dos, conservaon a virtude antacida, absorbente , & al¬
calica,
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_107.txt |
Observaçaõ IX. 67
calica, em que consiste todo o seu prestimo , que he chupar , & embeber em si os succos acidos corrosivos : & como o aço preparado sem cousas azedas seja hum dos melhores absorbentes , que tem a Medicina , por esta razão não quis usar delle preparado com os sobreditos azedos , para que ficando absorbente vazio tomasse em si a acrimonia dos humores , que nesta senhora redundavão , & os congelavaõ , & os naõ deixavaõ circular , & por esta razão reprezados , & engrossados os ditos humores , não só oppilavão as vias , mas pela demora adquiriraõ huma tal acrimonia , & salsugem , que causáraõ pustulas , coceiras , & comichões desesperadas , que só se tiraõ bem , descoalhando-os & só se descoalhão , tirandolhes o azedume. Dei pois à sobredita senhora ( quarenta dias ) o aço preparado sem cousas corrosivas , dandolhe a beber , passadas tres horas , hum quartilho de soro de cabras ; & com estes remedios se curou de taõ cruel enfermidade .
8 . Bem sei não ha de faltar quem me condemne , por dar quarenta dias aço a huma doente , que se estava abrazando em Vesuvios de fogo , & comichaõ intoleravel ; mas ainda que eu saiba que por defender a verdade ha de perigar o meu credito , eu quero antes perdello , que perder a alma , & assim hey de fazer sempre o que entender que he melhor para a vida dos enfermos , & digaõ os desaffeiçoados o que quizerem , porque contra a verdade , & a razão (10.) nenhũa força tem as settas da maledicencia , & seria eu reo de hum grande crime , se privasse ao mundo de huma noticia tão importante ao bem cõmum , mayormente quando me consta que ha Medicos taõ medrosos , que naõ ousaõ a dar mais que nove dias o aço ; o qual temor , & covardia naõ procede de outra cousa mais que de estarem atados às regras das velhas , que firmemente entendem naõ póde aver obstrucção taõ pertinaz , que se naõ renda com nove dias de aço : comtudo como nas cousas humanas nenhuma aja taõ infallivel , & perpetua , que naõ tenha suas excepções ; por isso (con-
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Obfervação IX.
calica, em que confifte todo o feu preftimo, que he chupar, & embeber em fi os fuccos acidos corrofi- vos : & como o aco preparado fem coufas azedas feja hum dos melhores abforbentes, que tem a Medicina, por efta razão não quiz ufar delle preparado com os fobreditos azedos, para que ficando abforbente va- zio tomaffe em fi a acrimonia dos humores , que nefta fenhora redundavão, & os congelavao, & os nao dei- xavaõ circular, & por efta razão reprezados, & en- groffados os ditos humores, não fó oppilavão as vias, mas pela demora adquiriraõ huma tal acrimonia, & falfugem, que caufarao puftulas, coceiras, & comi- chões delefperadas, que fó fe tirao bem , defcoalhan- do-os, & fo fe defcoalhão, tirandolhes o azedume. Dei pois à fobredita fenhora ( quarenta dias ) o aço preparado fem coufas corrofivas, dandolhe a beber, paffadas tres horas , hum quartilho de foro de cabras; & com eftes remedios fe curou de tao cruel enfermi- dade.
8. Bem fei não ha de faltar quem me condemne, por dar quarenta dias aço a huma doente, que fe ef- tava abrazando em Vefuvios de fogo, & comichao in- toleravel ; mas ainda que eu faiba que por defender a verdade ha de perigar o meucredito, eu quero antes perdello, que perder a alma, & affim hey de fazer fem- pre o que entender que he melhor para a vida dos en- fermos, & digao os defaffeiçoados o que quizerem, porque contra a verdade , & a razão (10.) nenhua for- ça tem as fettas da maledicencia,& feria eu reo de hum grande crime , fe privaffe ao mundo de huma noticia tão importante ao bem comum , mayormente quan- do me confta que ha Medicos taõ medrofos, que naõ oufao a dar mais que nove dias o aço; o qual temor, & covardia nao procede de outra coufa mais que de eftarem atados às regras das velhas, que firmemen- te entendem na póde aver obftrucção taõ pertinaz, que fe naõ renda com nove diasde aço: comtudo co- mo nas coufas humanas nenhuma aja tao infallivel; & perpetua , que nao tenha fuas excepções ; por iffo.
(con- | Obfervacao IX. 67 calica, em.que confifte todo ofeu preftimo, que he chupar,& embeber em fi os fuccos acidos corrofi. vos :& como o aco preparado fem coufas azedas feja hum dos melhores abforbentes, que tem a Medicina, per efta razao naoquiz ufar delle preparado com os fobreditos azedos, para que ficando abforbente: va- zio tomaffe em fi a acrimonia dos humores , que nefta fenhora redundavao,& os congelava, & os na dei- xavao circular, & por efta razao reprezados, & en- groffados os ditos humores , naof6 oppilavao as vias, mas pela demora adquiriraö huma tal acrimonia, & falfugem, que caufara puftulas, coceiras, & comi- chöes defefperadas, que f6 fe tira bem , defcoalhan- do-os, & f6 fe defcoalhao, tirandolhes o azedume: Dei pois a fobredita fenhora ( quarenta dias ) oaco preparadofern coufas corrofivas, dandolhe abeber, paffadas tres.horas , hum quartilho de foro de cabras; & com eftes.remedios fe curou de tacruel enfermir dade. 8. : Bem fei nao ha de faltar quem me condemne, por dar quarenta dias aco a huma doente, que fe ef- tava abrazando em Vefuvios de fogo, & comicha in- toleravel; mas ainda que cu faiba que por defender a verdade ha de perigar o meucredito, eu quero antes perdello, que perder a alma, & affim hey dé fazer fem- pre oque entender que hemelhor para a vida dos en- fermos, & diga os defaffeicoados o que quizerem, porquecontra a verdade , & a razao (1o.) nenhúa for- grande crime, fe privaffe ao mundo de huma noticia 1ao importante ao bein cömum., mayormente quan- dome conftaque ha Medicos ta medrofos , que na ufaa darmais que nove dias o aco, o qual temor, & covardia na procede deoutra coufa mais que de eftarem atados as regras das yelhas, que firmemen- te entendem na póde aver obftruccaö ta pertinaz, que fe naö rendacom nove dias de aco : contudo co- monas coufas humanas nenhuma aja ta infallivel; & perpetua, que na tenha fuas excepcoes ; por iffo. (con- | * —Oblervação IX. 67 :
calica, em que confifte todo o feu preítimo, que he
chupar, '& embeber em fi os fuccos acidos corrofi-
vos :& como o aço preparado fem coufas azedas feja -
hum dos melhores abforbentes, que tema Medicina,
per efta razão não quiz ufar delle preparado com os
Tobreditos azedos , para que ficando abforbente va-
zio tomaíle em fi a acrimonia dos humores , que nefta
fenhora redundavão, & os congelavao, & os naó dei- |
xavaõô circular, & por eta razão reprezados , & en-
groffados ns ditos humores , não fó oppilavão as vias,
mas pela demora adquiriraô huma tal acrimonia, & x
falfugem, que caufãrao puftulas, coceiras, & comi-
chões delefperadas , que fó fe tirao bem , defcoalhan-
do-os , & fó fe defcoalhão, tirandolhes o azedume.
Dei pois à fobredita fenhora ( quarenta dias ) oaço ,
preparado fem coufas corrofivas, dandolhe a beber,
: pafladas tres.horas, hum quartilho de foro de cabras; ,
& com eftes remedios fe curou de taô cruel enfermi- 1 NE
dade. : ENA, |
8. - Bem fei não hade faltar quem me condemne, . > PESTE
por dar quarenta dias aço a huma doente, que fe ef-
tava abrazando em Vefuvios de fogo, & comichaõ in-
toleravel; mas ainda que eu faiba que por defender
a verdade ha de perigar o meucredito, eu quero antes
perdello, que perder a alma, & affim-hey de fazer fem-
re o que entender que heinelhor para a vida dos en-
ermos , & digaô os defaffeiçoados o que quizerem,
porque contra a verdade , & a razão (10.) nenhãa for-
çatemas fettas da maledicencia,& feria eu reo de hum
grande crime, fe privafle ao mundo de huma noticia
. táãoimportante ao bem cômum , mayormente quan-
do me confta que ha Medicos taô medrofos, que naõ
nuíaõ a dar mais que novedias o aço; o qual temor,
& covardia naô procede de outra coufa mais que de
eftarem atados às regras das velhas, que irmemen-
te entendem naõ pode aver obftrucção taó pertinaz,
que fe naô renda com nove dias de aço : comtudo co-
mo nas coufas humanas nenhuma aja taô infallivel;
& perpetua , que naó tenha fuas excepções; pos iflo.
: con-
. e
Y
| Observaçao IX.
67
calica, em que consiste todo o seu prestimo, que he
chupar, & embeber em si os succos acidos corrosi¬
vos : & como o aço preparado sem cousas azedas seja
hum dos melhores absorbentes, que tem a Medicina,
por esta razamo namo quiz usar delle preparado com os
sobreditos azedos, para que ficando absorbente va¬
zio tomasse em si a acrimonia dos humores, que nesta
senhora redundavamo, & os congelavaon, & os nao dei¬
xavao circular, & por esta razamo reprezados, & en¬
grossados os ditos humores, namo só oppilavamo as vias,
mas pela demora adquiriraon huma tal acrimonia, &
salsugem, que causaraon pustulas, coceiras, & comi¬
chones desesperadas, que so se tiraon bem , descoalhan-
do-os, & só se descoalhao, tirandolhes o azedume.
Dei pois à sobredita senhora (quarenta dias) o aço
preparado sem cousas corrosivas, dandolhe a beber,
passadas tres horas, hum quartilho de soro de cabras;
& com estes remedios se curou de tao cruel enfermi¬
dade.
8. Bem sei namo ha de faltar quem me condemne,
por dar quarenta dias aço a huma doente, que se es-
tava abrazando em Vesuvios de fogo, & comichaon in¬
toleravel; mas ainda que eu saiba que por defender
a verdade ha de perigar o meucredito, eu quero antes
perdello, que perder a alma, & assim hey de fazer sem-
pre ò que entender que he melhor para a vida dos en-
fermos, & digaon os desaffeiçoados o que quizerem,
porque contra a verdade , & a razano (10.) nenhuma for
ça tem as settas da maledicencia, & seria eu reo de hum
grande crime, se privasse ao mundo de huma noticia
tamo importante ao bem commum, mayormente quan¬
do me consta que ha Medicos taon medrosos, que naon
ousaon a dar mais que nove dias o aço; o qual temor,
& covardia naon procede de outra cousa mais que de
estarem atados às regras das velhas, que firmemen
te entendem naon pode aver obstrucçamo tao pertinaz,
que se naon renda com nove dias de aço: comtudo co¬
mo nas cousas humanas nenhuma aja tao infallivel;
& perpetua, que naôn tenha suas excepçones; por isso
(con¬
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68 Observações Medicas Doutrinaes.
( conforme a experiencia de muitos annos ) conheço que naõ tem numero certo os dias , que se haõ de dar os remedios ; mas o que tenho por certo he , que se devem continuar atè se vencer a doença , ou atè que os effeitos mostrem que naõ convem continuallos : naõ he só voto meu , he conselho de Tito Livio . (11.)
9. Esta verdade experimentei na sobredita enferma , a qual estava tão obstruida , que se usara sómente de tres xaropes , de huma purga , de tres apozemas , & de nove dias de aço , como he costume de alguns Medicos ordinarios , me cansaria de balde ; porque como as obstrucções estivessem em partes mui distantes , & fossem taõ antigas , era impossivel vencellas em poucos dias , nem com remedios leves , mas com os activos , & muito continuados : (12.) & porque eu o fiz assim , por isso a doente cobrou saude perfeitissima , não obstante esta tida por incuravel ; porque absorbidos os humores acidos pela virtude alcalica do aço , ficou o sangue mais fluido , & capaz de se poder continuar a circulaçaõ , & baixarem os meses copiosamente , por ter as vias abertas ; & assim se tirou felizmente a comichaõ , & se vio restituida ao seu natural estado , & saude desejada.
10 . Desta Observaçaõ aprendão os Medicos principiantes , que quando os remedios estiverem bem indicados da doença , aindaque logo não aproveitem , nem por isso os larguem , antes constantemente os continuem muito tempo , porque elles viraõ a fazer o que se pertende : assim o a conselha Galeno , ( 13. ) & eu o faço sempre assim.
11. O mesmo quero se entenda do uso dos xaropes , das purgas , das apozemas , das tisanas , dos sudorificos , do aço , do leite , dos foros , dos banhos , das ajudas purgativas , & de ameijoada , das irrigações de leite , & de quaesquer outros medicamentos ; porque he puerilidade , ou ignorancia crassa affirmar que os xaropes haõ de ser tres , as purgas huma , as apozemas quatro , as tisanas seis , & que o aço se ha de dar só nove dias ; sendo certo que os medicamentos ( como
| 68 Obfervações Medicas Doutrinaes.
(conforme a experiencia de muitos annos ) conheço que nao tem numero certo os dias , que fe haõ de dar os remedios ; mas o que tenho por certo he, que fe de- vem continuar atè fe vencer a doença, ou atè que os effeitos moftrem que naõ convem continuallos : naõ he fó voto meu, he confelho de TitoLivio. (11.)
9. Efta verdade experimentei na fobredita en- ferma, a qual eftava tão obftruida, que fe ufara fó- mente de tres xaropes , de huma purga, de tres apoze- mas , & de nove dias de aço, como he coftume de al- guns Medicos ordinarios , me canfaria de balde ; por- que como as obftrucções eftiveffem em partes mui di- ftantes, & foffem tao antigas, era impoffivel vencel- las em poucos dias , nem com remedios leves, mas com os activos, & muito continuados : (12.) & por- que eu o fiz affim , por iffo a doente cobrou faude per- feitiffima, não obftante eftar tida por incuravel ; por- que abforbidos os humores acidos pela virtude alcali- ca do aço, ficou o fangue mais fluido, & capaz de fe poder continuar a circulação , & baixarem os mefes copiofamente, por ter as vias abertas ; & affim fe ti- rou felizmente a comichaõ, & fe vio reftituida ao feu natural eftado, & faude defejada.
10. Defta Obfervaçaõ aprendão os Medicos prin- cipiantes , que quando os remedios eftiverem bem in- dicados da doença, aindaque logo não aproveitem, nem por iffo os larguem , antes conftantemente os continuem muito tempo, porque elles viráõ a fazer o que fe pertende : afim o a confelha Galeno, (13.) & eu o faço fempre affim.
II. . O mesmo quero fe entenda do ufo dos xaro: pes, das purgas , das apozemas , das tifanas, dos fudo- rificos , doaço , do leite, dos foros , dos banhos, das ajudas purgativas, & de ameijoada , das irrigações de leite, & de quaefquer outros medicamentos ; por- que he puerilidade, ou ignorancia craffa affirmar que os xaropes hao de fer tres , as purgas huma, as apoze- mas quatro, as tifanas feis, & que o aço fe ha de dar fó nove dias ; fendo certo que os medicamentos (co-
mo.
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:
1 | 6s Obfervacoes Medicas Doutrinaes. (conforme a experiencia de muitos annos ) conheco que na tem numero certo os dias,que fe ha de dar os remedios ; mas o que tenho por certo he, que fe de- vem continuar até fe vencer a doenca, ou ate qué os effeitos moftrem que naconvem continuallos : na he f6 voto meu, he confelho deTitoLivio. (11. 9. Efta verdade experimentei na fobredita en- ferma, a qual eftava tao obftruida, que fe ufara f6- mente.de tres xaropes, de huma purga, de tres apoze- mas, & de nove dias de aso, como he coftume de al- guns Medicos ordinarios , me canfaria de balde ; por- . : que como as obftruccöes eftiveffem em partes mui di- ftantes, & foffem taö antigas, era impoffivel vencel- las em poucos dias , nem com remedios leves, mas com os activos, & muito continuados : (12:) & por- que eu o fiz affim , por iffo a doente cobrou faude per- feitiffima, nao obftante eftar tida por incuravel , por- que abforbidos os humores acidos pela virtude alcali- ca do aco, ficou ofangue mais fluido,&capaz defe poder continuar a circulaca , & baixaremosmefes copiofamente, por ter as vias abertas ; & affim fe ti- rou felizmente a comicha , & fe vio reftituida aoféu natural eftado , & faude defejada. 10. Defta Obfervaca aprendaoos Medicos prin- cipiantes , que quando os remedios eftiverem bem in- dicados da doenca, aindaque logo nao aproveitem, nem por iffo os larguem , antes conftantémente os continuem muito tempo, porque elles vira a fazer 0que fe pertende: affim o a confelha Galeno, (13. &eu ofacofempre affim. .11.. mefmo quero fe entenda do ufo dos xaro- pes, das purgas , das apozemas , das tifanas, dos fudo- rificos, doaco,do leite, dos foros, dos banhos, das ajudas purgativas, & de ameijoada , das irrigages de leite, & de quaefquer outros medicamentos ; por- que he puerilidade, ou ignorancia craffa affirmar que Os xaropes ha de fer tres , as purgas huma, as apoze mas quatro, as tifanas.feis, & queoaco fe hadedar f6 nove dias ; fendo certoque os medicamentos(co- mo. | 68 Obfervações Medicas Doutrinaes.
(conforme a experiencia de muitos annos ) conheço
que naó tem numero certo os dias , que fe haô de dar
, : . —osremedios;masoquetenho por certo he, que fe de-
vem continuar até fe vencer a doença, ou 4té' qué os
effeitos moftrem que naô convem continúallos: naõ
he fó voto meu, he confelho deTitoLivio. (11.)
9. Efta verdade experimentei na fobredita en-
ferma, a qual eftava tão obfítruida, que fe ufara fó-
. mente de tres xaropes , de huma purga, de tres apoze-
“mas, & de nove dias de aço , como he coftume de al-
guns Medicos ordinarios , me canfaria de balde ; por- -'
ue como as obftrucções eftiveflem em partes mui di-
flantes , & foflemtaô antigas , era impoílivel vencel-
las em poucos dias , nem com remedios leves , mas
com os a&ivos , & muito continuados: (12.) & por-
ue eu o fiz aflim , por iflo a doente cobrou faude per-
ficifima , não obftante eftar tida por incuravel ; por-
que abforbidos os humores acidos pela virtude alcali-
ca do aço, ficou o fangue mais fluido, & capaz de fe
poder continuar a circulaçaô , & baixarem os mefes
copiofamente , por ter as vias abertas ; & aflim feti-
rou felizmente a comichaô , & fe vio reftituida ao fêeu
« natural eftado , & faude defejada.
10. Defta Obfervaçaõ aprendão 6s Medicos prin-
cipiantes , que quando os remedios eftiverem bemin+
dicados da doençà, aindaque logo não aproveitem,
nem por iflo os larguem , antes conftantemente os
continuem muito tempo, porque elles virãô a fazer
o que fe pertende: aflim o a confelha Galeno, (13.)
&euofaçofempre aflim. ; |
11., O mefmo quero fe entenda do ufodos xaro:
pes; das purgas , das apozemas , das tifanas, dos fudo-
rificos , doaço ;do leite, dos foros , dos banhos , das
ajudas purgativas, & de ameijoada , das irrigações
de leite, & de quaefquer outros medicamentos ; por-.
que he puerilidade, ou ignorancia crafla afirmar que
os xaropes haô de fer tres , as purgas huma , as apoze-
mas quatro, as tifanas feis, & queoaço fe ha de dar
fó nove dias ; fendo certo que os medicamentos (co-
: mo.
| 68 Observaçones Medicas Doutrinaes.
(conforme a experiencia de muitos annos ) conheço
que naon tem numero certo os dias, que se haô de dar
os remedios; mas o que tenho por certo he, que se de-
vem continuar atè se vencer a doença, ou ate que os
effeitos mostrem que naon convem continuallos: naon
he fó voto meu, he conselho de TitoLivio. (11.
Esta verdade experimentei na sobredita en
ferma, a qual estava tamo obstruida, que se usara só¬
mente de tres xaropes, de huma purga, de tres apoze-
mas, & de nove dias de aço, como he costume de al-
guns Medicos ordinarios, me cansaria de balde ; por-
que como as obstrucçones estivessem em partes mui di¬
stantes, & fossem tao antigas, era impossivel vencel¬
las em poucos dias, nem com remedios leves, mas
com os activos, & muito continuados: (12.) & por-
que eu o fiz assim , por isso a doente cobrou saude per-
feitissima, namo obstante estar tida por incuravel; por¬
que absorbidos os humores acidos pela virtude alcali-
ca do aço, ficou o sangue mais fluido , & capaz de se
poder continuar a circulaçaon, & baixarem os meses
copiosamente, por ter as vias abertas; & assim se ti¬
rou felizmente a comichao , & se vio restituida ao seu
natural estado, & saude desejada.
10. Desta Observaçaon aprendamo os Medicos prin¬
cipiantes, que quando os remedios estiverem bem in
dicados da doença, aindaque logo nao aproveitem,
nem por isso os larguem, antes constantemente os
continuem muito tempo, porque elles viráô a fazer
o que se pertende : assim o a conselha Galeno, (13.
& eu o faço sempre assim.
11. O mesmo quero se entenda do uso dos xaro¬
pes, das purgas, das apozemas, das tisanas, dos sudo-
rificos, do aço, do leite, dos soros, dos banhos, das
ajudas purgativas, & de ameijoada, das irrigaçoes
de leite, & de quaesquer outros medicamentos; por-
que he puerilidade , ou ignorancia crassa affirmar que
os xaropes hao de ser tres , as purgas huma , as apoze-
mas quatro, as tisanas seis, & que o aço se ha de dar
só nove dias; sendo certo que os medicamentos (co-
mo
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Observaçaõ IX. 69
mo diz Galeno ) nem como o peso , nem com a medida , nem com o numero , ou com a penna se podem descrever . Nem imaginem os Medicos modernos , ( que saõ os com quem fallo ) que sou taõ presumido , que me atrevo a darlhes este conselho fundado na minha authoridade , porque só me estribo na de Galeno , & de outros gravissimos Doutores , que mandaõ continuar os remedios , atè se conseguir a saude : assim o fiz purgando muitas vezes a alguns alporquentos : assim o fez Dioscorides ( 14. ) dando todos os dias de hum anno huma oitava de pò de raiz de brionia para vencer huma gotta coral : assim o fazem hoje os Medicos da Corte , dando o leite de burras cinco , & seis meses aos que padecem rheumatismos , gottas arteticas , colicas pictonicas , parlesias espurias , hydropesias tympaniticas , & dores ictericas : & eu o dei , dous annos successivos , à Madre Soror Marianna de Encarnaçaõ , Abbadessa do Convento do Calvario ; mas por isso a curei de huma dureza feirrhosa , de que naõ avia esperança , porque no discurso de seis annos lhe naõ tinha aproveitado remedio algum . Assim o fiz , dando nove meses o dito leite ao Padre Mestre presentado Fr. Manoel Guilherme ; mas por isso sarou das dores da gotta , que o apertavaõ mui repetidas vezes . Confesso que sempre tive por apocryfo , & errado aquelle methodo de curar , que manda dar quatro , ou cinco xaropes para preparar os humores . Se pois os remedios devem continuarse atè que as enfermidades se vençaõ , naõ ha que admirar purgasse tantas vezes a esta doente , & lhe desse tantos dias aço ; pois tantos foraõ necessarios para triunfar da enfermidade , & segurar a saude , que logrou trinta annos depois que lhe fiz esta cura. Por este mesmo estylo , & com grande felicidade curei outras obstrucções rebeldes ; dando quarenta dias aço à Madre Dona Francisca de Sà Coutinho , Religiosa no Convento de Santa Monica : & à mulher de hum entalhador , morador na rua da Oliveira. Duzentos banhos dei a hũa Religiosa do Salvador , filha do Capi
| Obfervação IX.
mo diz Galeno ) nem com o pefo, nem com a me dida , nem com o numero, ou com a penna fe po- dem defcrever .. Nem imaginem os Medicos moder- nos ; ( que fao os com quem fallo ) que foutso prefa mido, que me atrevo a darlhes efte confetho funda . dona minha authoridade , porque fo me eftribo na de Galeno, & de outros graviffimos Doutores, que man- dao continuar os remedios , atè fe confeguir a fau- de: affmofiz purgando muitas vezes a alguns alpor- quentos : affim o fez Diofcorides (14. ) dando todos os - dias de hum anno huma oitava de pò de raiz de brio- nia para vencer huma gotta coral : affim o fazem hoje os Medicos da Corte , dando o leite de bur- ras cinco, & feis mefes aos que padecem theumatif- mos, gottas arteticas, colicas pictonicas, parlefias efpurias , hydropefias tympaniticas, & dores icteri- cas: & cu o dei , dous annos fucceffivos, à Madre So- ror Marianna da Encarnação , Abbadeffa do Conven- to do Calvario; mas por iffo a curei de huma dureza - fcirrhofa, de que nao avia esperança, porque no dif- carfo de feis annos lhe nao tinha aproveitado remedio algum. Afim o fiz, dando nove mefes o diro leite ao Padre Meftre prefentado Fr. Manoel Guilherme; mas por iffo farou das dores da gotta, que o aperta- . vão pui repetidas vezes. Confeffo que Sempre tive por apocryfo, & errado aquelle methodo de curar, que manda dar quatro , ou cinco xaropes para prepa- rar os humores. Se pois os remedios devem conci- nuarfe ate que as enfermidades fe venção, nao ha que admirar purgaffe tantas vezes a efta docente, & lhe deffe tantos dias aço ; pois tantos forao neceffarios para triunfar da enfermidade, & fegurar a faude, que logroa trinta anos depois que lhe fez efta cura. Por efte mefmo eftylo, & com grande felicidade cu- rei outras obftnicções rebeldes; dando quarenta dias aço à Madre Dona Francifcade Sa Coutinho, Reli- giofa no Convento de Santa Monica: & à mulher de ' hom entalhador, morador na rua da Oliveira. Duzen- tos banhos dei a hãa Religiofa de Salvador, filha do:
Capi-
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1 | Obfervaca : 1X.. : mo diz Galeno) nem corn o pefo, nem com a'ne. dida , nem com o numero, ou com a penna fe po- dem defcrever. Nem imaginem os Medicos moder- nos; (quc faoscom quemfallo) quefouta prefa- . mido, que me atrevo a darlhes efte confetho .fnda: . dona minha authoridade, porque fóme eftribo na de Galeno, & deoutros graviffimos Doutores, que man. da continuar os remedios , ate fe confeguir a fau- de: affmofiz purgando muitas vezes a alguns alpor- quentos : affm fez Diofcorides (14.) dando todos os dias de hum anno humaoitava de po de raiz de brio nja para vencer huma gotta coral : affm o fazem hoje os Medicos da Corte , dando o leite de bur- ras cinco, &.feis. mefes aos qac padccem theumatif mos, gottas arteticas, colicas pictonicas, parlefias efpurias, hydropefas tympaniticas, & dores iaeri- cas:. &cu o dei , dous annos fucceffivos , a Madre So- ror Marianna da Encarnacao , Abbadeffa da Conven- todo Calvario; mas por ifloacurei.de huma durcza fcirrhofa, dequc na avia efperansa, porque no dif- curfo de feisannos Ihe na tinha aprveitado remedio algum. Affim o fiz, dand& nave mefes o.dito Icite ao Padre Meftre prefentado Fr. ManoelGuilherme; mas por iffo farou das dores dagotta, que oaperta- . rao nai repetidas vezes. Confefla que fenpre tive por apocryfo, & errado.aquelle methodo de curar, que mandadar quatro, ou tinco xaropes para prepa rar .os humores-Se pois os xancdios devem conci muarfeateque asenfermiades fewenca, mahaqae admirar purgaffe tantas vezes a cfta docrte, & fhe deffe tantos dias aco : pois tanras foras. neceffarios para triunfar da cnfermidade, & fegurar a faude: que logroa trinta aunos depaisqae lhefz cfta cura. Por efte mefmo eftylo, & com grande félicidadc au- rei outrasobftruccoes rebeldes, danda qmarentadias aso *Madre Dona FrancifcadesaCoutinho, Rali- giofa no Convento dc Santa Monica.: & amalher de hum.cntathador, morador na ruada Olivcira. Duzetl- tos banbos tei a hua Religiofa da Satvador , ftha do. CTD1 | - mo diz Galeno ) ném com o pefo, nen com à mes
'dida , nem com o numero, ou com a de po.
dem deferever.- Nem imaginem 08 Medicos moder.
nos; (que faó os com querm-fallo ) que foutaô prefas
* “mido, que meatrevo a darlhes efte confetho -furidas
-— . dona minha authoridade » porque fó me eftriho na de
Galeno, & de outros gravifimos Doutores, que man=«
daô continnar os remedios , até fe confeguir a fau.
de: affimofiz purgando muitas vezes aalguns alpor.
quentos: aff o fez Diofcorides (14. ) dando todos os
ias de hum anno huma oitava de pô de raiz de brio-
nia para vencer brasa gotra coral : afiirÕra o fazem
hoje os Medicos da Corte , dando o leite de bur-
ras cinco, & feis mefes aos que padecem theumatif-
. mos, gotras arteticas, colicas pi&onicas , parlefias
efpurias , hydropefras tympaniticas, & dores i&eri-
cas:. & eu o dei , dous annos fucceífivos, 2. MadreSo- —.º
ror Marianna da Entarnaçao , Abbadeflado Conven- =
todo Calvario; mas por iffoa curei de huma dureza
- feirrhofa, de que naô avia efperança,-porque no dif-
curto de feisannos Hlte naó tinha aproveitado rernedio
algum. Affim o fiz, dandô nove mefes o diro leite
ao Padre Meftre prefentado Fr. Manoel Guilherme;
“mas por iflo farou das dores da gotta, que oaperra- .
« vô ryui repetidas vezes. Confefla que fempre tive
por apocryfo, & errado aquelle methodo de curar,
“que manda dar quatro , ou tinco xatopes para ptepas
rar os humores. Se pois os remedios devem conck
mmarfe até que as enfermidades fe wença6, naô Pa quê
admirar purgaffe tantas vezes a efta doenve, & lhe
deffe tantos dias aço ; pois tantos forao neceffarios
para triunfar da enfermidade , & fegurar a faude , | : :
- qmelogroa trinta annos depois que lhe fez eftez cura. ANN
Por efte metmo eftylo, & com grande felicidade an- o O
reiontras obftrueções rebeldes; dando quarensa dias
aço à Madre Dona Francifea de Sà Coutinho, Reli-- EIA :
giofano Convento de Santa Monica: & à mulher de e
.entalhador, morador na rua da Oliveira. Duzem- + o
tos banhos dei a hãa Religiofa da Salvador , flha do:
| Observaçao IX.
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mo diz Galeno) nem com o peso, nem com à me¬
dida, nem com o numero, ou com a penna se po¬
dem descrever. Nem imaginem os Medicos moder¬
nos, (que saon os com quem fallo) que sou tao presu¬
mido, que me atrevo a darlhes este conselho funda¬
do na minha authoridade; porque so me estribo na de
Galeno, & de outros gravistimos Doutores, que man¬
daon continuar os remedios, atè se conseguir a fau¬
de: assim o fiz purgando muitas vezes a alguns alpor¬
quentos: assim o sez Dioscorides (14.) dando todos os
dias de hum anno huma oitava de pò de raiz de brio-
nia para vencer huma gotta coral: assim o fazem
hoje os Medicos da Corte , dando o leite de bur-
ras cinco, & seis meses aos que padecem rheumatis¬
mos, gottas arteticas, colicas pictonicas, parlesias
espurias, hydropesias tympaniticas, & dores icteri¬
cas: & eu o dei, dous annos successivos, à Madre So¬
ror Marianna da Encarnaçaon, Abbadessa do Conven¬
to do Calvatio; mas por isto a curei de huma dureza
fcirrhosa, de que naon avia esperança, porque no dis¬
curfo de seis annos llie naon tinha aproveitado remedio
algum. Assim o siz, dandò nove meses o dito leite
ao Padre Mestre presentado Fr. Manoel Guilherme;
mas por isso sarou das dores da gotta, que o aperta¬
vaon mui repetidas vezes. Confesso que sempre tive
por apocryfo, & errado aquelle methodo de curar,
que manda dar quatro, ou cinco xatopes para prepa¬
rar os humores. Se pois os remedios devem conci¬
nuarse atè que as enfermidades se vençaon, naon ha que
admirar purgasse tantas vezes a esta doente, & lhe
desse tantos dias aço; pois tanros foraon necessarios
para triunsar da enfermidade, & segurat a saude,
que logron trinta annos depois que lhe siz esta cura¬
Por este mesmo estylo, & com grande felicidade cu¬
rei outras obstrucçones rebeldes; dando quarenta dias
aço à Madre Dona Francisca de Sà Coutinho, Reli¬
giosa no Convento de Santa Monica: & à mulher de
num entalhador, morador na rua da Oliveira. Duzen¬
tos banhos dei a huma Religiosa do Salvador, filha do¬
Capi¬
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70 Observações Medicas Doutrinaes.
Capitão Manoel Jorge , Procurador da Cidade : estava esta Religiosa taõ profundamente melancolica , & imaginativa , que de dia , & de noite estava dizendo se naõ podia salvar , nem a misericordia de Deos , sendo infinita , lhe avia de perdoar ; & com este excessivo numero de banhos cobrou a saude , que desejava : & tenho por certo , que se me contentasse com quarenta , ou cincoenta banhos , como alguns se contentaõ , ficaria melancolica , & maniaca , como estava dantes , nem conseguiria a boa saude , que hoje logra .
OBSERVAÇAM X
De hum continuo fluxo de ʃangue das almorreinas , que certo doente padeceo por cauʃa de exceʃʃivo trabalho , & quentura ; com que ʃe enfraquecèraõ as officinas naturaes de maneira , que em lugar de gerarem ʃangue puro , & ʃaudavel , geràraõ ʃoros mordazes , & ʃalgados , de que ʃe ʃeguiraõ grandes ʃedes , & huma inchaçaõ univerʃal , annunciadora de huma hydropeʃia incuravel .
1. Aindaque o exercicio , & trabalho moderados ʃejaõ as couʃas mais proveitoʃas que ha para conʃervar a ʃaude , & prolongar a vida , porque com hum , & com outro ʃe fortificaõ os membros ʃe vivifica o calor , ʃe aperfeiçoa a nutricaõ , ʃe volatilizaõ os eʃpiritos , ʃe circula o ʃangue , ʃe diʃʃipaõ os vapores , ʃe abrem os póros , ʃe repurgaõ as fuligens , & ʃe conʃeguem tantas utilidades , que ʃo se conhecem pelos damnos que faz a falta delle , como diz Ovidio ; (1.) & nòs o vemos nos preʃos , que por lhes faltar o exercicio , perdem muitos as cores , outros inchaõ , outros ʃe fazem hydropicos : o meʃmo obʃervamos na malicia , & falta de ʃabor nas carnes dos animaes que ʃe naõ exercitaõ ; porèm he de advertir , que ʃe o exercicio , & trabalho ʃaõ grandes , ou intempeʃtivos,
| .
Obfervações Medicas Doutrinaes.
Capitão Manoel Jorge, Procurador da Cidade: efta- va efta Religiofa tao profundamente melancolica, & imaginativa, que de dia, & de noite eftava dizendo fe nao podia falvar,nem a mifericordia de Deos,fendoin- finita, lhe avia de perdoar; & com efte excellivo nume -. ro de banhos cobrou a faude , que defejava : & tenho por certo, que fe me contentaffe com quarenta , ou cincoenta banhos, como alguns fe contentaõ, fica- ria melancolica, & maniaca, como eftava dantes; nem confeguiria a boa faude , que hoje logra ..
OBSERVAÇAM X.
De bum continuo fluxo de fungue das almorreimas, que certo doente padeceo por caufa de exceffivo trabalho, & quentura ; com que fe enfraquecerao as oficinas naturaes de maneira, que em lugar de gerarem fan- gue puro, & laudavel, gerarao foros mordazes, & falgados, de que fe feguirao grandes fedes., & buma
. inchacao univerfal, annunciadora de buma bydro- pefia incuravel:
I. A Indaque o exercicio , & trabalho mo- derados fejao as coufas mais proveitofas que ha para confervar a faude, & prolongar a vida, porque com hum, & com outro fe fortificao os mem- bros , fe vivifica o calor , fe aperfeiçoa a nutricao, fe volatiliza os efpiritos,fe circula o fangue , fe diffipaő os vapores , fe abrem os poros, fe repurgao as fuli- gens , & fe confeguem tantas utilidades , que fo fe co- nhecem pelos damnos que faz a falta delle , como diz Ovidio; (1.) & nos o vemos nos prefos, que por lhes faltar o exercicio , perdem muitos as cores, outros in- chao, outros fe fazem hydropicos: o mefmo obfer- vamos na malicia, & falta de fabor nas carnes dos ani- maes que fe nao exercitao ; porem he de advertir , que fe 'o exercicio, & trabalho fao grandes , ou intempef-
tivos, | "a Obfervacoes Medicas Doutrinaes.. Capitao Manoel Jorge , Procurador da Cidade : efta- va efta.Religiofa ta profundamente melancolica, & imaginativa, que de dia, & de noite eftavadizendofe na podia falvar,nem a mifericordia de Deos,fendoin- finita,lhe avia de perdoar; & com efteexceffivo nume- rodebanhos cobrou a faude, que defejava: & tenho por certo, quefe me contentaffe .com quarenta , ou cincoenta barhos, como alguns fecontenta, fica- ria melancolica, & maniaca, como eftava. dantes; nem confeguiria a boa faude , que hoje logra. .. OBSERV ACAM x.. De bum continuo fluxo defangue das almorreinas , que 'certo doente padeceo por caufa deexcefivotrabalbo, . d quentura; com que /e cnfraquecerao as officin:ts naturaes de maneira, que em lugar de geraremfan- guepuro, &.laudavel, geraraforos mordazes, s Jalgados , de que fefeguira5 gtandes./edes; s: buma . inchasa univer/al,annunciadora de buma.bydro- pefia incuravel. Indaque o exercicio , & trabalho mo- derados feja as coufas mais proveitofas que hapara confervar.a faude, & prolongar a vida, porque com hum, & com outro fe fortificaö os mem- bros, fe.vivificao calor , feaperfeicoa a nutrica, fe volatiliza os efpiritos,fe circula o fangue fe diffipa os vapores , feabrem os poros, fe.repurgao as fuli- gens , & fe confeguem tantas utilidades , que f&fe co- nhecem pelos damnos que faz a falta delle, como diz Ovidio (1.) & nos o vemos nos prefos, que por lhes faltar o exercicio , perdem muitos as cores, outros in- cha, outros fe fazem hydropicos:. o mefmoobfer- vamos na malicia , & falta de fabor nas carnes dos ani maes quéfe naexercita , porem he deadvertir , que fe 0.exercicio , & trabalho fa grandes , ou intempef tivos, | 7a Obfervações Medicas Doutrinaes. .,
o*
Capitão Manoel Jorge , Procurador da Cidade: efta- |
vaelta.Religiofa taó profundamente melancolica, &
imaginativa, que de dia , & de noite eftava dizendo fe
nap podia falvar,nem a mifericordia de Deos,fendoin-
e. ' finita,lhe avia de perdoar; & com efte exceflivo nume- - -
ro de banhos cobrou a faude , que defejava: & tenho
- porcerto , que fe me contentafle com quarenta , ou
cincoenta barihos, como alguns fe contentaõ, fica-
| ria melancolica, & maniaca, como eftava dantes ;
2 + =... nemconfeguiria a boafaude, que hojelogra. .-
OBSERVAÇAM X..
De hum continuo fluxo de fiungue das almorreimas, que
*. . “certo doente padeceoporcaufa deexcelfivotrabalho,
- & quentura ; com que fe enfraquecerao as oficinas
. naturaes de maneira, que em lugar de geravem fan-
guepuro, & laudavel, geràâraô foros mordazes, &
[algados ; de que fe feguivaD grandes fedes., & buma
* inchaçao univer/al, anuunciadora de buma bydro-
pefia incuravel. | E
1. | Tndaque o exercicio , & trabalho mo-
- derados fejaô as coufas mais proveitofas
” que ha para confervar a faude, & prolongar a vida,
porque com hum , & com outro fe fortificaô os mem-
ros , fe vivificao calor , fe aperfeiçoa a nutricaó, fe
volatilizaô os efpiritos,fe circula o fangue ,fe diffipas
- —esvapores, fe abrem os póros, fe repurgaõ as fuli-
gens , & fe confeguem tantas utilidades , que fófe co-
nhecem pelos damnos que faz a falta delle "como diz.
Ovidio ;. (1.) & nôs o vemos nos prefos , que por lhes
faltaro exercicio , perdem muitos às cores , outros in
chaõ, outros fe fazem hydropicos: o mefmo obfer-
"vamos na malicia , & falta de fabor nas carnes dos ani-
: maes que fe naó exercitaô ; porêm he deadvertir , que
fe'o exercicio , & trabalho faó grandes , ouintempef-
“ ! tivos,
| .
-.
.
70 Observaçones Medicas Doutrinaes.
Capitamo Manoel Jorge, Procurador da Cidade: esta-
va esta. Religiosa taon profundamente melancolica, &
imaginativa, que de dia, & de noite estava dizendo se
naon podia salvar, nem a misericordia de Deos, sendo in¬
finita, lhe avia de perdoar; & com este excessivo nume¬
ro de banhos cobrou a saude, que desejava : & tenho
por certo, que se me contentasse com quarenta, ou
cincoenta banhos, como alguns se contentao, fica¬
ria melancolica, & maniaca, como estava dantes,
nem conseguiria a boa saude, que hoje logra.
OBSERVAQAM X.
De hum continuo fluxo de sungue das almorreimas, que
certo doente padeceo por causa de excessivo trabalho,
& queutura; com que se enfraquecerao as officinus
naturaes de maneira, que em lugar de gerarem san¬
gue puro, & laudavel, geraraon soros mordazes, &
salgados, de que se seguiraon grandes sedes, & huma
inchaçaon universal, annunciadora de buma bydro¬
pesia incuravel.
Indaque o exercicio, & trabalho mo¬
A
derados sejaon as cousas mais proveitosas
que ha para conservar a saude, & prolongar a vida,
porque com hum, & com outro se fortificaon os mem¬
bros, se vivifica o calor, se aperfeiçoa a nutricaon, se
volatilizaon os espiritos, se circula o sangue , se dissipaon
os vapores, se abrem os póros, se repurgao as fuli-
gens, & se conseguem tantas utilidades, que só se co-
nhecem pelos damnos que faz a falta delle, como diz
Ovidio; (1.) & nòs o vemos nos presos, que por lhes
faltar o exercicio, perdem muitos às cores, outros in¬
chao, outros se fazem hydropicos: o mesmo obser¬
vamos na malicia, & falta de sabor nas carnes dos ani¬
maes que se naon exercitaon; porèm he de advertir, que
se o exercicio, & trabalho saon grandes, ou intempes-
tivos,
| false | pt |
|
CHLMP | OMD | 1,707 | page_111.txt |
Observaçaõ X. 71
tivos, taõ longe eʃtaõ de ʃer convenientes para a vida , & ʃaude , que antes com elles ʃe enfraquecem os eʃpiritos , ʃe exaʃpera o calor , ʃe emmagrecem as carnes , ʃe relaxaõ os nervos , ʃe envelhece o corpo , & ʃuccedem mil damnos outros , a que a Medicina naõ pòde dar remedio , como pela ʃeguinte Obʃervaçaõ farei manifeʃto.
2. O Reverendo Padre Fr. Patricio de Saõ Paulo Religioʃo Dominicano Hybernio , logrou muitos annos perfeitiʃʃima ʃaude ; mas andando o tempo , ou pelo muito trabalho , & exercicio que teve , ou pelos grandes cuidados , com que perpetuamente vivia , cahio em huma tal excandeʃcencia do figado , & entranhas , que em lugar de gerarem ʃangue louvavel , & perfeito , geravão humores acres , corroʃivos , & feroʃos ; & como eʃtes não eraõ capazes para as partes ʃe ʃuʃtentarem com elles , os arrojou a provida natureza (como inuteis , & feculentos) para as partes inferiores , deʃcarregando-os nas veas hemorrhoidaes ; & como eʃtas de ʃua natureza coʃtumaõ eʃtar cheyas de ʃangue adulto , negro , & craʃʃo , como diz Fernelio (2.) naõ foy neceʃʃario muito , para que com a chegada da materia pungente , que de novo ʃe miʃturou com elle , ʃe aʃʃanhaʃʃe o que alli eʃtava de tal modo , que em breviʃʃimos dias , abertas as bocas das almorreimas , ouveʃʃe hum copioʃiʃʃimo fluxo dellas , & deʃta continuada effuʃaõ de ʃangue ʃe resfriàraõ , & debilitàraõ o figado , & officinas naturaes de maneira , que começou a incharlhe o corpo todo ; principios infalliveis de hua hydropeʃia , enfermidade verdadeiramente tanto para temer , como difficultoʃa de curar , mayormente por ʃobrevir a hua doença prolongada , & a hum homem jà fraco , & falto de eʃpiritos .
Porèm como ʃeja obrigaçaõ de quem he humano compadecerʃe das miʃerias humanas , & naõ aja acçaõ tão generoʃa , como he amparar os perseguidos , confortar aos deʃmayados , & dar ʃaude aos enfermos ; pois , como diz Cicero , (3.) para iʃʃo naʃcemos , & naõ para nòs ʃòs fomos creados , fiz quanto
| Obfervação X.
71
.
tivos , tao longe eftaõ de fer convenientes para a vida, & faude, que antes com elles fe enfraquecem os efpi- ritos, fe exafpera o calor , fe emmagrecem as carnes, fe relaxao os nervos , fe envelhece o corpo , & fucce- dem mil damnos outros, a que a Medicina naõ pòde dar remedio, como pela feguinte Obfervaçaõ farei manifefto.
. 2. O Reverendo Padre Fr. Patricio de Sao Pau- lo, Religiofo Dominicano Hybernio, logrou muitos annos perfeitiffima faude; mas andando o tempo, ou pelo muito trabalho, & exercicio que teve, ou pelos grandes cuidados , com que perpetuamente vivia , ca- hio em huma tal excandefcencia do figado, & entra- nhas , que em lugar de gerarem fangue louvavel , & perfeito, geravão humores acres, corrofivos, & fe- rofos ; & como eftes, não erao capazes para as partes fe fuftentarem com elles, os arrojou a provida natu- reza (como inuteis, & feculentos ) para as partes in- feriores, defcarregando-os nas veas hemorrhoidaes; & como eftas de fua natureza coftumaõ eftar cheyas de fangue adufto, negro, & craffo, como diz Ferne- Lio, (2.) naofoy neceffario muito, para que com a chegada da materia pungente, que de novo fe miftu- rou com elle, fe affanhaffe o que alli eftava de tal mo- do, que em breviffimos dias , abertas as bocas das al- morreimas , ouveffe hum copiofiffimo fluxo dellas , & defta continuada effufao de fangue fe resfriàrao, & debilitàraõ o figado, & officinas naturaes de manei- ra, que começou a incharlhe o corpo todo; princi- pios infalliveis de hua hydropefia, enfermidade ver- dadeiramente tanto para temer , como difficultofa de curar,mayormente por fobrevir a hua doença prolon- gada, & a hum homem ja fraco ; & falto de efpiritos.
3. Porem como feja obrigação de quem he hu -. mano compadecerfe das miferias humanas , & nao aja acçaõ tão generofa, como he amparar aos perfe- guidos, confortar aos defmayados, & dar faude aos enfermos ; pois, como diz Cicero, (3.) para iffo naf- cemos , & nao para nos fős fomos creados; fiz quan-
to
è
0 | Obfervacao x 7 I tivos , ta longe efta de fer convenientes paraa vida, & faude, que antes com elles feenfraquecem os efpi- ritos, fe exafpera o calor , fe emmagrecem .as carnes, fe relaxaos nervos, fe envelhece ocorpo , & fucce- dem mil damnos outros, a que a Medicina na pöde dar remedio, como pela feguinte Obfervaca farei manifefto. 2. O Reverendo Padre Fr. Patricio de Sa Pau- lo, Religiofo Dominicano Hybernio, logrou muitos annos perfeitiffima faude; mas andando o tempo, ou pelo muito trabalho, & exercicio gue teve, ou pelos grandes cuidados, comque perpetuamente vivia , ca- hioem huma tal excandefcencia dofigado, & entra- nhas,que em lugar de gerarem fangue louvavel, & perfeito, gerayao humores acres, corrofivos, & fe- : rofos ; & como eftes. nao era capazes para as partes fe fuftentarem con elles, os arrojou a provida natu- reza (como inuteis, & feculentos ) para as partes in- feriores, defcarregando-os nas veas hemorrhoidaes; & comoeftas de fua natureza coftuma eftar cheyas de fangue adufto, negro, & craffo, como diz Ferne- lio,(2.) naofoy neceffario muito, para que m a chegada da materiapungente, que de novo fe miftu- . rou com elle, fe affanhaffe'o que alli eftava de tal mo- do, que em breviffimos dias , abertas as bocas das al- morreimas, ouveffe hum copiofiffimo fluxo dellas , & defta continuada cffufa de fangue fe resfriara; & debilitara o figado, & officinas naturaes.demanei- ra, que coimecou a incharlhe o corpo todo, princi- pios infalliveis de hua hydropefia, enfermidade ver- dadeiramente tanto para temer , como difficultofa de curar,mayormente por fobrevir a hua doenca prolon- gada, & a hum hornem ja fraco , & falto de efpiritos. 3. Porem como feja obrigacao de quem he hu-- mamo compadecerfe das miferias humanas , & na aja accaö tao generofa, como he amparar aos perfe- guidos, confortar aos.defmayados, & dar faudeaos enfermos ; pois,comodiz Cicero,(3.) para iffo naf- cemos , & na para nos fös fomos creados ;. fiz quan- to | o ' Obfervaçaão XX. 71 NE.
. tivos , taô longe eltaó de fer convenientes para a vida, ó'
1. —&faude,queantescomelles feenfraquecemos efpi-
t ritos, fe exaípera o calor , fe emmagrecem as carnes, . &
fe relaxaõó os nervos , fe envelhece o corpo , & fucçe-
-) dem mil damnos outros, a que a Medicina naô pôde ! DA
2' — darremedio, como pela feguinte Obfervaçaó farei
1; manifelto, o
ri 2. OReverendo Padre Fr. Patriciode Saó Pau-
« —lo,Religiofo DominicanoHybernio, logrou muigos
| . annos perfeitiflima faude; mas andando otempo, ou |,
| :. pelomuito trabalho, & exercicio que teve, ou pelos
.i — grandescuidados,com-que perpetuamentevivia,ca- — .
hio em humagtal excandefcencia do figado, & entra- |
nhas, que em lugar de gerarem fangue louvavel, &
. — perfeito, geravão humores acres, corrofivos, & fe-
— rolos; &comoeltes não eraô capazes para as partes
* fefuftentarem com elles, os arrojou a provida natu- : "
reza (como inuteis , & feculentos ) paraaspartesin- — . Nm º
+. feriores, defcarregando-os nas veas hemorrhoidaes;
'* — &comoceltas defua natureza colftumaô eftar cheyas
| de fangue aduíto , negro, & craflo, como diz Ferne-
lio, (2.) naófoy neceffario muito, para que eam a
chegada da materia pungente , que de novo fe miftu-
« rou com elle, fe affanhafle o que alli eftava de tal mo- .
do, que em breviflfimos dias , abertas as bocas das al- '
morreimas , ouveíle hum copiofifimo fluxo dellas , &
* —defta continuada effufaô de fangue fe resfriãraô, & :
* —debilitáraôo ofigado, & officinas naruraes.de manei- | õ
* — Ta, que começou à incharlhe o corpo todo; princi- |
| — piosinfalliveis de húa hydropefia, enfermidade ver- '
| dadeiramente tanto para temer , como difficultofa de
curar,mayormente por fobrevir a hiia doença psolon-
gada , & a hum homem jà fraço ; & falto de efpiritos.
“3. Porêm como feja obrigaçaõ de quemhe hu-.
mato compadecerfe das milerias humanas , & nao
aja acçaó tão generofa , como he amparar aos perfe-
guidos, confortar aos defmayados , & dar faude aos
enfermos ; pois, como diz Cicero, (3.) paraiflo naf-
cemos , & naô para nôs fós fomos creados; fiz quan-
' -to .
á
,
s
| Observaçaon X.
71
tivos, tao longe estao de ser convenientes para a vida,
& saude, que antes com elles se enfraquecem os espi-
ritos, se exaspera o calor, se emmagrecem as carnes,
se relaxaon os nervos, se envelhece o corpo , & succe-
dem mil damnos outros, a que a Medicina nao pòde
dar remedio, como pela seguinte Observaçaon farei
manifesto.
2. O Reverendo Padre Fr. Patricio de Sao Pau-
lo , Religioso Dominicano Hybernio , logrou muitos
annos perfeitissima saude; mas andando o tempo, ou
pelo muito trabalho, & exercicio que teve, ou pelos
grandes cuidados, com que perpetuamente vivia, ca¬
hio em huma, tal excandescencia do figado, & entra¬
nhas, que em lugar de gerarem sangue louvavel, &
perfeito, geravamo humores acres, corrosivos, & se¬
rosos; & como estes namo eraô capazes para as partes
se sustentarem com elles, os arrojou a provida natu¬
reza (como inuteis, & fecusentos) para as partes in¬
feriores, descarregando-os nas veas hemorrhoidaes;
& como estas de sua natureza costumaon estar cheyas
de sangue adusto , negro , & crasso , como diz Ferne
lio, (2.) nao foy necessario muito, para que com a
chegada da materia pungente , que de novo se mistu-
rou com elle , se assanhasse o que alli estava de tal mo-
do, que em brevissimos dias, abertas as bocas das al¬
morreimas, ouvesse hum copiosissimo fluxo dellas, &
desta continuada effusaon de sangue se resfriàraon, &
debilitàrao o figado, & officinas naturaes de manei-
ra, que começou a incharlhe o corpo todo ; princi-
pios infalliveis de hua hydropesia, enfermidade ver-
dadeiramente tanto para temer , como difficultosa de
curar, mayormente por sobrevir a huma doença prolon¬
gada, & a hum homem jà fraco, & falto de espiritos.
3. Porèm como seja obrigaçao de quem he hu¬
mano compadecerse das miserias humanas, & naon
aja acçaon tamno generosa, como he amparar aos perse¬
guidos, confortar aos desmayados, & dar saude aos
enfermos; pois, como diz Cicero , (3.) para isso nas-
cemos, & naon para nòs sos fomos creados; fiz quan¬
to
| false | pt |
|
CHLMP | OMD | 1,707 | page_112.txt |
72 Observações Medicas Doutrinaes.
to foy poʃʃivel por defender ao ʃobredito enfermo das mãos da morte , que o ameaçava .
4. A primeira , & principal indicação que tomei para o curar , foy purgar os humores ʃeroʃos , & pungentes , que com a ʃua acrinomia , & quentura irritavão a natureza, adelgaçavão o sangue, & provocavão o fluxo ; para iʃʃo lhe fiz tomar tres onças de agua benedicta vigorada , porque me lembrou ter lido em Galeno , (4.) & em outros graves Authores , que nas dores , ou fluxos das almorreimas , nos priapiʃmos , nas dores dos rins , & da bexiga , nas colicas nephriticas , nas ʃuppreʃʃões da ourina, & em todas as doenças das partes pudendas , naõ avia remedio mais efficaz , & conveniente , que os vomitorias repetidas vezes tomados, por quanto neʃtas enfermidades convem muito revellir , & divertir os humores para a parte contraria : & como não aja remedio , que taõ prompta , & fielmente faça eʃte effeito como a ʃobredita agua , por iʃʃo neʃte caʃo , & nos referidos coʃtumo uʃar ʃempre della , dandoa duas , & tres vezes em dias alternados . Nem me enganou a eʃperança ; porque depois de tomar tres vezes o ʃobredito vomitorio , reconheceo notavel melhoria , & para o confirmar nella , lhe fiz tomar , tres dias alternados , os ʃeguintes xaropes , que para evacuar brandamente os ʃoros mordazes , que ʃaõ os que abrem o caminho aos humores , que cahem nas almorreimas , ʃaõ excellentiʃʃimos , & ʃe preparaõ do modo ʃeguinte . Tomai tres oitavas de caʃcas de myrobalanos citrinos , & huma oitava de ruibarbo , tudo ʃe machuque , & ʃe deite de infuʃaõ em huma canada de agua de tanchagem quente , & paʃʃadas dozes horas , ʃe deite fóra a dita agua , & fazendo entaõ hum cozimento freʃco para os tres xaropes , deite nelle os taes myrobalanos , & ruibarbo , dandolhe hua leve fervura , & coandoʃe com forte expreʃʃaõ , mandei ajuntar a cada quatro onças deʃte cozimento duas onças de xarope das noʃʃas roʃas , & depois que com os taes xaropes , & vomitorios ʃe diminuiraõ os ʃoros mordazes , tratei de divertir , &
| 72 Obfervaç ões Medicas Doutrinaes.
to foy poffivel por defender ao fobredito enfermo das mãos da morte , que o ameaçava.
. 4. A primeira; & principal indicação que tomei para o curar , foy purgar os humores ferofos, & pun- gentes, que com a fua acrimonia, & quentura irri- tavão a natureza , adelgaçavão o fangue, & provoca- vão o fluxo ; para iffo lhe fiz tomar tres onças de agua benedicta vigorada, porque me lembrou ter lido em Galeno, (4.) & em outros graves Authores, que nas dores, ou fluxos das almorreimas , nos priapifmos, nas dores dos rins, & da bexiga, nas colicas nephri- ticas, nas fuppreffoes da ourina , & em todas as doen- ças das partes pudendas, naõ avia remedio mais effi- caz , & conveniente, que os vomitorios repetidas ve- zes tomados , por quanto neftas enfermidades con- vem muito revellir ; & divertir os humores para a parte contraria: & como não aja remedio, que taõ prompta , & fielmente faça efte effeito como a fo- bredita agua, por iffo nefte cafo, & nos referidos cof- tumo ufar fempre della, dandoa duas, & tres vezes em dias alternados. Nem me enganou a efperança; porcae depois de tomar tres vezes o fobredito vomi« torio, reconheceo notavel melhoria, & para o con- firmar nella, lhe fiz tomar , tres dias alternados, os seguintes xaropes, que para evacuar brandamente os foros mordazes, que fao os que abrem o caminho aos humores , que cahem nas almorreimas , fao excel- lentiffimos , & fe preparao do modo feguinte. Tomai tres oitavas de cafcas de myrobalanos citrinos , & hu- ma oitava de ruibarbo, tudo fe machuque, & fe dei- te de infufao em huma canada de agua de tanchagem quente , & paffadas doze horas, fe deite fora a dita agua; & fazendo entao hum cozimento frefco para os tres xaropes, deitei nelle os taes myrobalanos, & ruibarbo, dandolhe hua leve fervura, & coandofe tom forte expreffao, mandei ajuntar a cada quatro onças defte cozimento duas onças de xarope das noffas ro- fas, & depois que com os taes xaropes, & vomitorios fe diminuirao os foros mordazes, tratei de divertir, &
, | /2 Obfervac öes MedicasDoutrinaes: tofoy poffivel pór defender aofobredito enfermo das maos da morte , que o améacava: 4. A primeira, & principal indicacaoque tomei para o curar, foy purgar os hamores ferofos, & pun- gentes, que com a fua acriinónia, &.quenturairri- tavao anatureza, adelgacavaoo fanigue, & provoca- vao o fluxo ; para iffo lhe fiz tomar tres oncas de agua benedicta vigorada, porque me lembrou ter lido em Galeno, (4.) & ein outros graves Authores , que nas dores, ou fluxos das almorreimas , nos priapifmos, nas dores dos rins, & da bexiga, nas colicas nephri- ticas, nas fuppreffoes da ourina , & em todas as doen- cas das partes pudendas, na avia reradióinais effi- caz , & conveniente, que os vomitorios repétidas ve- zes tomados , por quanto neftas enfermidades con- vem muito revellir ; & divertir os hunores para.a parte contraria: & como nao aja remedio, que ta prompta , & fielmente fasa efte effeito como a fo- bredita agua, por iffo nefte cafo, & nos referidos cof- tumoufar fempre della, dandoa duas, & tres vezes em dias alternados. Nem me enganou a efperanca; porcae depois de tomar tres vezes o fobredito vomi* torio, reconhece notavel melhoria, & para o con- frmar nella,lhe fiz tomar, tres dias alternados, os Ieguintes xaropes, que para evacuar brandamente os foros mordazes, que fa os que abrem o caminho aos: humores , que cahem nas almorreimas , fa excel- lentiffimos,& fe préparaodo modo feguinte. Tomai tres oitavas de cafcas de myrobalanos citrinos , & hu- ma oitava de:ruibarbo, tudo fe machuque, & fe dei- te de infufa em luma canada deagua de tanchagem quente , & paffadas doze horas, fe deite fóra adita agua, & fazendo enta hum cozimento frefco para os tres xaropes, deitei nelleos taes myrobalanos, & ruibarbo, dandolhe hüa leve fervura,& coandofe Com forte expreffa, mandei ajuntar a cada quatro ongas. defte cozimento duas.ongas de xarope das noffas ro- fas, & depois que com os taes xaropes, & vomitorios fe diminuira s foros mordazes, tratei de divertir , & | . 72 Obfervãas ões Medicas Doutrinães.
. . tofoy poffivel pór deferider ao fobredito enfermo das
mãos da morte, que 0 àméaçava.
* “4. Aprimeira; & principal indicação que tomei
” para o curar, foy purgár os humores ferofos , & pun-
gentes, que com a fua áàcrimônia, & quenturáirri-
tavão anatureza, ddeIgaçavão o farigue, & provocá-
vão o fluxo; para iflo lhe fiz tomar tres onças de agua
benedi&a vigorada , porque me lembrou ter lido em
Galeno, (4.) & em outros graves Authores , que nas
dores, ou fluxos das almorreimas ; nos priapifmos,
nas dores dos rins , & da bexiga, has colicas nephri-
ticas, nas fupprefloês dá ourina ; & em todas às doen-
ças dás partes pudendas, naô avia rerfiedio mais ef-
caz , & conveniente, quê os vomitorios repétidas ve-
zes tomados , por quanto neftas enfermidades con-
vem muito revellir ; & divertir os humores para.a
parte contrariá: & como não aja remedio, que taô
promprá ; & fielmente faça efte effeito como a fo-
redita agua, por iflo nelte cafo , & nosreferidos cof=
tumo ufar femipre della, dandoa duas, & tres vezes -
em dias alternados. Nem me enganou a efperança;
. porqte depois de tomar tres vezes o fobredito vomi«
torio, reconheceo notavel melhoria, & para o con-
firmar nella, lhe fiz tomar , tres dias alternados , os
feguintes xaropes, que para evacuar brandamente os -
foros mordazes , que faõóos queabremo caminho aos
humores , que cahem nas almorreimas , faó excel-
lentiffimos , & fe prepara do modo feguinte. Tomai
tres oitavas de caícas de myrobalanos citrinos , & hu-
ma oitava desuibarbo, tudo fe machuque, & fe dei-
J . tedeinfufaô emliumá canada de aguia de tanchágem
quente , & paflatlas doze horas , fe deite fóra adita
| agua , & fazendo entaó hum cozimento frefco para .
a « ostres xaropes, deitei nelle os taes myrobalanos, &
: ruibarbo, dandolhe hãa leve fervura,& coandofe om -
Forte expreflaô, mandei ajuntar a cada quatro onças.
SS defte cozimento duas onças de xarope das noffas ro-
. fas, & depois que com os taes xaropes, & vomitorios
| fe diminuiraô 6s foros mordazes , tratei de divertir ,
&
so
| 72 Observaç oes Medicas Doutrinaes.
to foy possivel por defender ao sobredito enfermo das
manos da morte, que o ameaçava.
4. A primeira; & principal indicaçamo que tomei
para o curar, foy purgar os humores serosos, & pun¬
gentes, que com a sua acrimonia, & quentura irri¬
tavao a natureza, adelgaçavao o sangue, & provoca-
vamo o fluxo; para isso lhe fiz tomar tres onças de agua
benedicta vigorada, porque me lembrou ter lido em
Galeno, (4.) & em outros graves Authores, que nas
dores, ou fluxos das almorreimas, nos priapismos,
nas dores dos rins, & da bexiga, nas colicas nephri¬
ticas, nas suppressoes da ourina, & em todas as doen¬
ças das partes pudendas, naon avia remaediò mais effi¬
caz, & conveniente, que os vomitorios repetidas ve-
zes tomados, por quanto nestas enfermidades con¬
tem muito revellir, & divertir os humores para a
parte contraria: & comò nao aja remedio, que taon
prompta, & fielmente faça este effeito como a so¬
bredita agua, por isso neste caso, & nos referidos cos¬
tumo usar sempre della, dandoa duas, & tres vezes
em dias alternados. Nem me enganou a esperança;
porque depois de tomar tres vezes o sobredito vomi-
torio, reconheceo notavel melhoria, & para o con-
firmar nella, lhe fiz tomar, tres dias alternados, os
seguintes xaropes, que para evacuar brandamente os
soros mordazes, que saon os que abrem o caminho aos
humores, que canem nas almorreimas, sao excel¬
lentissimos, & se preparaon do modo seguinte. Tomai
tres oitavas de cascas de myrobalanos citrinos, & hu-
ma oitava de ruibarbo, tudo se machuque, & se dei-
te de infusaon em huma canada de agua de tanchagem
quente , & passadas doze horas, se deite fóra a dita
agua, & fazendo entao hum cozimento fresco para
os tres xaropes, deitei nelle os taes myrobalanos , &
ruibarbo, dandolhe huma leve fervura, & coandose eom
forte expressaon, mandei ajuntar a cada quatro onças
deste cozimento duas onças de xarope das nossas ro-
sas, & depois que com os taes xaropes, & vomitorios
se diminuirao os soros mordazes, tratei de divertir,
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Observaçaõ X. 73
& dirivar o reʃtante delles para as vias da ourina , eʃperando que deʃte modo deʃafogaria as almorreimas , & não correriaõ mais humores a ellas ; & para iʃʃo , depois de deʃcanʃar tres dias , lhe dei os ʃeguintes pòs em cinco dias ʃucceʃʃivos . Tomai de raiz de ʃoldanella huma onça , de ruibarbo eʃcolhido dous eʃcropulos , de eʃpicanardo meyo eʃcropulo , tudo junto ʃe faça em pò , & ʃe divida em cinco partes iguaes , miʃturando cada parte com cinco onças de agua cozida com cerfolio , ou com huma onça de raiz de rilhaboy , ou quatro onças de vinhos do Rim , ou vinho de enforcado , & ʃe dè ao doente em jejum .
5. No entretanto que ʃe fazia eʃte remedio , ordenei que muitas vezes no dia lavaʃʃe as almorreimas com agua cozida com folhas de congorça , que neʃte achaque tem admiravel virtude , & que eʃtando ainda a parte molhada , lhe deitaʃʃem por cima os meus pòs das almorreimas , ou as untaʃʃem com o meu celebre lenimento , que por ʃer hum dos mayores ʃegredos , que eu ʃei fazer , por iʃʃo o tenho comigo , & o naõ largo a boticario algum , para deʃte modo tirar a occaʃiaõ de que o adulterem , & vendão com o nome de que he meu , como vendem o cordeal , & os trociʃcos de Fioravanto , & outros ʃegredos , que nem a meu proprio filho tenho revelado.
6. Finalmente mandei que todas as noites lhe fizeʃʃem huma fomentaçaõ ʃobre as coʃtas , & ʃobre o lugar dos rins com o ʃeguintes ungento . Tomai de polpa de canafiʃtula , tirada de freʃco , quatro onças , de aʃʃucar de chumbo huma onça , de unguento roʃado tres onças , tudo ʃe miʃture para fazer a fomentaçaõ . Também lhe encomendei que fizeʃʃe muito por andar ʃempre facil na camara; por quanto as fezes duras obrigaõ a fazer grandes forças para se deitarem fóra , & das taes forças procedem as almorreimas , & os fluxos dellas , como acontece nas mulheres difficultosas em parir , porque pelas grandes forças que fazem para lançar a criança , ʃe enchem de almorreimas . Para acudir pois à dureza do ventre que tambem
| 73
Obfervaçaõ X.
& dirivar o reftante delles para as vias da ourina , ef- perando que defte modo defafogaria as almorreimas, & não correriao mais humores a ellas ; & para iffo, depois de defcanfar tres dias , lhe dei os feguintes pos em cinco dias fucceffivos. Tomai de raiz de fol- danella huma onça, de ruibarbo efcolhido dous ef- cropulos, de efpicanardo meyo efcropulo , tudo jun- to fe faça em pò, & fe divida em cinco partes iguaes, mifturando cada parte com cinco onças de agua cozi- da com cerfolio, ou com huma onça de raiz de rilha- boy , ou quatro onças de vinho do Rim, ou vinho de enforcado , & fe dè ao doente em jejum.
5. No entretanto que fe fazia efte remedio, or- denei que muitas vezes no dia lavaffe as almorreimas com agua cozida com folhas de congorça, que nefte achaque tem admiravel virtude , & que eftando ainda a parte molhada , lhe deitaffem por cima os meus pòs das almorreimas, ou as untaffem com o meu cele- bre lenimento, que por fer hum dos mayores fegre- dos, que eu fei fazer , por iffo o tenho comigo, & o nao largo a boticario algum , para defte modo tirar a occafiao de que o adulterem, & vendão com o nome de que he meu , como vendem o cordeal , & os tro- cifcos de Fioravanto, & outrosfegredos, que nem a meu proprio filho tenho revelado.
- 6. Finalmente mandei que todas as noites lhe fi- zeffem huma fomentaçao fobre as coftas, & fobre o lugar dos rins com o feguinte unguento. Tomai de polpa de canafiftula , tirada de frefco, quatro onças, de affucar de chumbo huma onça, de unguento rofa- do tres onças, tudo fe mifture para fazer a fomenta- çaõ. Tambem lhe encomendei que fizeffe muito por andar fempre facil na camara; por quanto as fezes duras obrigaõ a fazer grandes forças para fe deitarem fora, & das taes forças procedem as almorreimas , & os fluxos dellas, como acontece nas mulheres diffi- cultofas em parir, porque pelas grandes forças que fazem para lançar a criança, fe enchem de almorrei- mas. Para acudir pois à dureza do ventre de que tam-
bem | Obfervaca X: 73 & dirivar o reftante delles para as vias da urina, ef- perando que defte modo defafogaria as almorreimas, & nao correria mais humores a ellas ; & para iffo, depois de defcanfar tres. dias , lhe dei os feguintes pos emcinco dias fucceffivos. Tomai de raiz de fol- danella huma onga, de ruibarbo efcolhido dous ef- cropulos, de efpicanardo meyo efcropulo , tudo jun- to fe faca em po, & fe divida em cinco partes iguaes, mifturando cada parte com cinco oncas de agua cozi- da com cerfolio, ou con huma onca de raiz de rilha- boy , ou quatro ongas de vinho do Rim, ou vinho de enforcado, & fe de ao doente em jejum. 5. No entretanto que fe faziaefte remedio, or- denei que muitas vezes no dia lavaffe as almorreimas com agua cozida comfolhas de congorca, que nefte achaque tem admiravel virtude , & que eftando ainda a parte molhada, lhe deitaffem por cima os meus pos das almorreimas, ou as untaffem com o meu cele- dos, que eu fei fazer, por iffoo tenho comigo,& na largo a boticario algum , para defte modo tirar a occafiaδ deque o adulterem, & vendao com o nome : de que he meu, como vendem ocordeal , & os tro- cifcos de Fioravanto, & outrosfegredos, que nem a méu proprio filho tenho revelado. 6.. Finalmente inandei que todas as noites lhe f- zeffem huma fomentacao fobre as coftas, & fobre o polpa de canafiftula, tirada de frefco, quatro oncas, de affucar de chumbo huma onga, de unguento rofa- do trés.oncas, tudo fe imifture para fazer a fomenta- a. Tambem lhe encomendei qúe fizeffe muito por andar fempre facil na camara; por quanto as fezes duras obriga a fazer grandes forcas para fe deitarem f6ra, & das taes forcas procedem as almorreimas , & os fluxos dellas, como acontece nas mulheres diff- cultofas em parir, porque pelas grandes forcas que fazem para lancar a crianca, fe enchem de almorrci- mas. Para acudir pois a.dureza do ventre de que tam- bem | ns...
Obfervaçõô X. : 3
& dirivart o reftante delles para as vias da ourina ,*ef«
perando que defte modo defafogaria as almorreimas,
& não correriao mais humores a ellas; & para iflo,
depois de defcanfar tres dias , lhe dei os feguintes
pôs emcinco dias fucceffivos. Tomai de raiz de fol-
danella huma onça, de ruibarbo efcolhido dous ef.
cropulos , de efpicanardo meyo eferopulo, tudo jun-
to fe faça em pô, & fe divida emcinco partes iguaes,
milíturando cada parte com cinco onças de agua cozi-
da com cerfolio, ou com huma onça de raiz de rilha-
boy , ou quatro onças de vinho do Rim , ou vinho de
enforcado , & fe dê ao doente em jejum.
—5. Noentretanto que fefazia efte remedio, or*
denei que muitas vezes no dia lavaíle as almorreimas
com agua cozida com folhas de congorça; que nefte
achaque tem admiravel virtude, & que eftando ainda
a parte molhada , lhe deiraflem por cima os meus pôs
das almorreimas, ou as untaflem com o meu cele-
bre lenimento , que por fer hum dos mayores fegre-
dos , que eu fei fazer , por iflo o tenho comigo, & o
naõ largo a boticario algum , para defte modo tirar a
occafia6 de que o adulterem, & vendão com o nome
de que he meu, como vendem ocordeal , & os tro-
cifcos de Fioravanto, & outrosfegredos, que nem a
mêéu proprio filho tenho revelado.
6. “Finalmente mandei que todas as noites lhe fi-
zeflem huma fomentaçao fóbre as coftas, & fobre o
lugar dos rins com o feguinte unguento. Tomai de
olpa de canafiftula , tirada defrefco, quatro onças,
de aflucar de chumbo huma onça; de unguento rofa-
dotres onças, tudo fe mifture para fazer a fomenta-
çaó. Tambem lhe encomendei que fizefle muito por
andar fempre facil na camara; por quanto as fezes
duras obrigaõ a fazer grandes forças para fe deitarem
fóra , & das taes forças procedem as almorreimas , &
os fluxos dellas, como acontece nas mulheres diff
cultofas em parir, porque pelas grandes forças que
fazem para lançar a criança, fe enchem de almorrei-
mas. Para acudir pois à dureza do ventre de que tam
” em
amPE
NELA
| Observaçaon X.
73
& dirivar o restante delles para as vias da ourina, es-
perando que deste modo desafogaria as almorreimas,
& namo correriaon mais humores a ellas; & para isso,
depois de descansar tres dias, lhe dei os seguintes
pòs em cinco dias successivos. Tomai de raiz de sol¬
danella huma onça, de ruibarbo escolhido dous es¬
cropulos, de espicanardo meyo escropulo , tudo jun-
to se faça em pò, & se divida em cinco partes iguaes,
misturando cada parte com cinco onças de agua cozi¬
da com cerfolio, ou com huma onça de raiz de rilha¬
boy, ou quatro onças de vinho do Rim , ou vinho de
enforcado , & se dè ao doente em jejum.
No entretanto que se fazia este remedio, or¬
denei que muitas vezes no dia lavasse as almorreimas
com agua cozida com folhas de congorça, que neste
achaque tem admiravel virtude, & que estando ainda
a parte molhada, lhe deitassem por cima os meus pòs
das almorreimas, ou as untassem com o meu cele¬
bre lenimento, que por ser hum dos mayores segre-
dos, que eu sei fazer, por isso o tenho comigo , & o
naon largo a boticario algum, para deste modo tirar a
occasiaon de que o adulterem, & vendamo com o nome
de que he meu, como vendem o cordeal, & os tro-
ciscos de Fioravanto, & outros segredos, que nem a
meu proprio filho tenho revelado.
6. Finalmente mandei que todas as noites lhe fi-
zessem huma fomentaçaon sobre as costas, & sobre o
lugar dos rins com o seguinte unguento. Tomai de
polpa de canafistula, tirada de fresco , quatro onças,
de assucar de chumbo huma onça, de unguento rosa-
do tres onças, tudo se misture para fazer a fomenta-
çaon. Tambem lhe encomendei que fizesse muito por
andar sempre facil na camara; por quanto as fezes
duras obrigaon a fazer grandes forças para se deitarem
fora, & das taes forças procedem as almorreimas, &
os fluxos dellas, como acontece nas mulheres diffi¬
cultosas em parir, porque pelas grandes forças que
fazem para lançar a criança, se enchem de almorrei¬
mas. Para acudir pois à dureza do ventre de que tam-
bem
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_114.txt |
74 Observações Medicas Doutrinaes.
bem se queixava , & que coʃtuma ʃer huma das principaes cauʃas de aver almorreimas , lhe mandei preparar a seguinte conʃerva , para tomar huma vez em cada ʃemana , na primeira meʃa , em quantidade de huma onça . Tomai de uvas paʃʃadas , tirada a grainha , meyo arratel , de polpa de canaʃiʃtula freʃca meyo arratel , de cremores de tartaro verdadeiros tres onças , de erva doce em pò grosso duas oitavas & meya , tudo ʃe miʃture , & com aʃʃucar ʃe faça electuario , que ʃe guardarà em panela vidrada bem cuberta , para ʃe uʃar quando for tempo . E com eʃta conʃerva ʃe facilitou a camara de sorte , que naõ neceʃʃitou de fazer força para curʃar ; e conʃequentemente ʃe livrou de huma enfermidade taõ enfadonha , & penoʃa . Tambem aconʃelhei ao sobredito enfermo , que por muitos meʃes bebeʃʃe agua cozida do modo ʃeguinte . Em dez quartilhos de agua commua mandei ajuntar duas oitavas de erva poligono , ( chamada chamada por outro nome centinodia , ou erva andorinha , ) & dandolhe huma fervura por hum quarto de hora , a mandei coar depois de eʃtar fria , & entaõ lhe mandei ajuntar duas oitavas das minhas pilulas antifebriles , que se acharáõ em minha caʃa , & della ʃe levaõ para todo o Reyno , & ʃuas Conquiʃtas ; porque conʃervaõ a ʃua virtude muitos annos : a qual agua por razão das ditas pilulas tem huma propriedade maravilhoʃa , que abʃorbe , & embebe em ʃi toda a acrimonia dos humores , que ʃaõ os que fazem as dores , abrem as vias , & provocão os fluxos . Mandeilhe ultimamente que trouxeʃʃe , por tempo de hum annno , nas algibeiras meya duzia de biʃnagas , as quaes , por certa virtude occulta , curaõ & desecaõ as almorreimas , como me conʃta por innumeraveis caʃos , que tenho viʃto em peʃʃoas , que nomearei , ʃe for neceʃʃario para confirmaçaõ da minha verdade . Finalmente foraõ todos os remedios , que appliquei ao ʃobredito Religioʃo , taõ felizmente ʃuccedidos , que ʃarou com admiraçaõ dos que o tinhaõ viʃto em taõ perigoʃo eʃtado .
6. Duas cousas peço aos ʃenhores Medicos leitores.
| 74 Obfervações Medicas Doutrinaes.'
bem fe queixava, & que coftuma fer huma das princi- paes caufas de aver almorreimas, lhe mandei prepa- rar a feguinte conferva , para tomar huma vez em ca- da femana, na primeira mefa , em quantidade de hu- ma onça. Tomai de uvas paffadas, tirada agrainha, meyo arratel, de polpa de canafiftula frefca meyo ar- ratel , de cremores de tartaro verdadeiros tres onças, de erva doce em pò groffo duas oitavas & meya, tu- do fe mifture, & com affucar fe faça electuario, que fe guardarà em panela vidrada bem cuberta, para fe ufar quando for tempo. E com efta conferva fe facili- tou a camara de forte , que naõ neceffitou de fazer força para curfar ; & confequentemente fe livrou de huma enfermidade tao enfadonha, & penofa. Tam- bem aconfelhei ao fobredito enfermo, que por mui- tos mefes bebeffe agua cozida do modo feguinte. Em dez quartilhos de agua commua mandei ajuntar duas oitavas de erva poligono, (chamada por outro nome centinodia, ou erva andorinha, ) & dandolhe huma fervura por hum quarto de hora, a mandei coar de- pois de eftar fria, & entao lhe mandei ajuntar duas oitavas das minhas pilulas antifebriles, que fe acha- rao em minha cafa, & della fe levao para todo o Rey -. no, & fuas Conquiftas ; porque confervao a fua virtu-, de muitos annos : a qual agua por razao das ditas pi- lulas tem huma propriedade maravilhofa , que ab- forbe, & embebe em fi toda a acrimonia dos humores, que fao os que fazem as dores, abrem as vias, & pro -. vocão os fluxos. Mandeilhe ultimamente que trou- xeffe, por tempo de hum anno, nas algibeiras meya, duzia de bifnagas, as quaes, por certa virtude occulta, curao, & defecao as almorreimas, como me confta por. innumeraveis cafos , que tenho vifto em peffoas, que nomearei, fe for neceffario para confirmação da mi- nha verdade. Finalmente forao todos os remedios, que appliquei ao fobredito Religiofo, taõ felizmen- te fuccedidos, que farou com admiraçao dos que o ti- nhaõ vifto em taõ perigofo eftado.
6. Duas coufas peço aos fenhores Medicos leito-
res.
- -
.
. ..
-- | 74 Obfervacoes Medicas Doutrinaes. ben fe queixava , & que coftuma fer huma das prinici- paes caufas de aver almorreimas, Ihe mandei prepa- rar afeguinte conferva , para tomar huma vez em ca- da femana, na primeira mefa, em.quantidade de hu- ma onca. Tomai de uvas paffadas, tirada agrainha, meyo arratel, de polpa de canafiftula frefca meyc ar- ratel, de cremores de tartaro verdadeiros tres oncas, de erva doce em pogroffo duas oitavas & meya, tu- do femifture, & com affucar fefaca electuario, que fe guardara em panela vidrada bem cuberta , para fe ufar quando for tempo. E com efta conferva fe facili- tou a camara de forte , que na neceffitou de fazer forca para curfar ; & confequentemente fe livrou de huma enfermidade ta enfadonha,& penofa. Tam- bem aconfelhei ao fobredito enferm, que por mui tos mefes bebeffe agua cozida do modo feguinte.. Em dez quartilhos de agua commua mandei ajuntar duas oitavas de erva poligono, (chamada por outro nome centinodia, ou erva andorinha,) &dandolhe huma fervura por hum quarto de hora, a mandei coar. de- pois de eftar fria, & enta lhe mandei ajuntar duas oitavas das minhas pilulas antifebriles, que fe acha- rá em minha cafa, & della fe leva para todo o.Rey- no, & fuas Conquiftas ; porque conferva a fua.virtu-. de muitos annos: a qual agua por razao das ditas pi- lulas tem huma propriedade maravilhofa , que ab- forbe,& embebe em fi toda a acrimonia dos humores, que fa os que fazem as dores, abremas vias., & pro-. vocao os fuxos. Mandeilhe ultimamente que trou xeffe, por tempo de hum anno, nas algibeiras imeya, curaö,& defeca as almorreimas,como me confta por. innumeraveis cafos , quetenho vifto em peffoas, que. nomearei , fe for neceffario para confirmaca da mi nha verdade. Finalmente fora todos os remedios, que appliquei ao fobredito Religiofo, ta felizmen te fuccedidos, que farou con admiraga dos queo ti-- nha vifto em ta perigofo eftado. res. | 74 Obfervações Medicas Doutrinaes.
bem fe queixava , & que coftuma fer huma das princi.
paes caufas de aver almorreimas, lhe mandei prepa-
rar a feguinte conferva, paratomar huma vez em ca-
da femana , na primeira mefa , em quantidade de hu
ma onça. Tomai de uvas paffadas, tirada agrainha,
meyoarratel, de polpa de canafiftula frefca meyo ar-
ratel, de cremores detartaro verdadeiros tres onças,
de erva doce em pô grofílo duas oitavas & meya, tu-
do fe milture , & com aflucar fe faça ele&uario, que
fe guardarà em panela vidrada bem cuberta, para fe
ufar quando for tempo. E com efta conferva fe facili-
tou a camara de forte , que naõ neceffitou de fazer
força para curfar; & confequentemente fe livrou de
huma enfermidade taô enfadonha ,& penofa. Tam-
bem aconfelhei ao fobredito enfermô, que por mui-
tos mefes bebefle agua cozida do modo feguinte. Em
dez quartilhos de agua commua mandei ajuntar duas
oitavas de erva poligono , (chamada por outro nome
centinodia, ou erva andorinha, ) & dandolhe huma
fervura por hum quarto de hora, a mandei coar de-
pois de eftar fria, & entaô lhe mandei ajuntar duas
oitavas das minhas pilulas antifebriles , que fe acha-
rao em minha cafa, & della fe levaô para todo o Rey-
no, & fuas Conquiftas ; porque confervaô a fua virru-.
de muitos annos: a qual agua por razão das ditas Piz
lulas tem huma propriedade maravilhofa , que ab-
forbe,& embebe em fi toda a acrimonia dos humores,
que faõ os que fazem as dores, abremas vias, & pro-.
vocão os fluxos. Mandeilhe ultimamente que trou=
xefle, por tempo de hum anno, nas algibeiras meya,
duzia de bifnagas, as. quaes, por certa virtude occulta,
curao,& defecaô as almorreimas,como me confta por
innumeraveis cafos, quetenho vifto em pefloas, que
nomearei, fe for neceflario para confirmaçaô da mi-
nha verdade. Finalmente foraô todos os remedios ,
que appliquei ao fobredito Religiofo, raô felizmen-
te fuccedidos, que farou com admiraçaódos queori-
nhaôviftoemtaõ perigofo eftado. |
6. Duas confas peço aos fenhores Medicos leito-
res,
| 74 Observaçones Medicas Doutrinaes.
bem se queixava, & que costuma ser huma das princi¬
paes causas de aver almorreimas, lhe mandei prepa-
rar a seguinte conserva, para tomar huma vez em ca¬
da semana , na primeira mesa , em quantidade de hu-
ma onça. Tomai de uvas passadas, tirada a grainha,
meyo arratel , de polpa de canasistula fresca meyo ar-
ratel, de cremores de tartaro verdadeiros tres onças,
de erva doce em pò grosso duas oitavas & meya, tu-
do se misture , & com assucar se faça electuario , que
se guardarà em panela vidrada bem cuberta, para se
usar quando for tempo. E com esta conserva se facili-
tou a camara de sorte, que naô necessitou de fazer
força para cursar; & consequentemente se livrou de
huma enfermidade tao enfadonha, & penosa. Tam¬
bem aconselhei ao sobredito enfermò , que por mui-
tos meses bebesse agua cozida do modo seguinte. Em
dez quartilhos de agua commua mandei ajuntar duas
oitavas de erva poligono , (chamada por outro nome
centinodia, ou erva andorinha , ) & dandolhe huma
fervura por hum quarto de hora, a mandei coar de¬
pois de estar fria, & entao lhe mandei ajuntar duas
oitavas das minhas pilulas antifebriles, que se acha¬
rao em minha casa , & della se levaon para todo o Rey-
no , & suas Conquistas; porque conservaon a sua virtu-
de muitos annos: a qual agua por razano das ditas pi-
lulas tem huma propriedade maravilhosa, que ab¬
sorbe, & embebe em si toda a acrimonia dos humores,
que saon os que fazem as dores, abrem as vias, & pro-
vocao os fluxos. Mandeilhe ultimamente que trou¬
xesse, por tempo de hum anno , nas algibeiras meya.
duzia de bisnagas, as quaes, por certa virtude occulta,
curaôn, & desecaon as almorreimas, como me consta por
innumeraveis casos, que tenho vistò em pessoas, que
nomearei , se for necessario para confirmaçaon da mi¬
nha verdade. Finalmente forao todos os remedios,
que appliquei ao sobredito Religioso , tao felizmen¬
te succedidos, que sarou com admiraçaon dos que o ti-
nhao visto em taon perigoso estado.
6. Duas cousas peço aos senhores Medicos leito¬
res.
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_115.txt |
Observaçaõ X. 75
res. A primeira, que queiraõ julgar com animo deʃapaixonado o que aqui eʃcrevo , porque o naõ faço por vaidade ou jactancia, mas por zelo do bem commum . A ʃegunda , que naõ ʃe envergonhem de aprender dos outros o que naõ ʃouberem , porque (fóra de Deos) ninguem tem ʃabedoria infinita : nem ʃe deʃprezem de enʃinar o que tiverem aprendido , ʃeguindo deʃte modo o conʃelho de Saõ Baʃilio , (5 .) que dizia : aprendei ʃem pejo , enʃinai sem inveja , & naõ occulteu o que de outrem tiveres aprendido.
OBʃERVAÇAM XI .
De huma exceʃʃiva dor , & ardor de ourina , que certo enfermo padecia tres dias cada mes deʃde a idade de ʃeis annos atè a de dezoito , ʃem que a diligencia dos Medicos , nem o regimento do doente lhe aproveitaʃʃem ; atè que apellando para os remedios Chymicos , cobrou a ʃaude que deʃejava .
1. Manoel dias Loureiro , morador na Tanoeria , deʃde a idade de ʃeis annos começou a padecer dores de ourina , em certos dias de cada mes , tão crueis , que o chegavaõ às portas da morte . Para curar a eʃte menino ʃe chamàraõ os Medicos de mayor fama : examinàraõ elles com curioʃa indagaçaõ qual ʃeria a cauʃa de durarem ʃó tres dias as taes dores , ficando todo o mais tempo do mes ʃaõ , & livre dellas : & depois de huma larga conferencia , & concordarem todos no que aviaõ de fazer , começàraõ a applicar os remedios convenientes, mas com taõ desgraçado effeito, que se baldàraõ as diligencias da Arte, porque tornando a chegar os tres dias do seguinte mes , tornou a padecer as meʃmas dores. Chamaraõʃe novamente os Medicos , & applicandolhe elles differentes remedios , nenhum fruto experimentaraõ , porque tornando a vir o ʃeguinte mes , o aʃʃaleàraõ
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Qbfervação X.
res. A primeira, que queiraõ julgar com animo defa- paixonado o que aqui efcrevo, porque o naõ faço por vaidade, ou jactancia, mas por zelo do bem commum. A fegunda, que nao fe envergonhem de aprender dos outros q que nao fouberem, porque ( fora de Deos) ninguem tem fabedoria infinita: nem fe defprezem de enfinar o que tiverem aprendido, feguindo defte » modo o confelho de Sao Bafilio,(5.) que dizia: Apren- dei fem pejo , enfinai fem inveja, & nao occulter o que de outrem tiveres aprendido.
OBSERVAÇAM XI.
De huma exceffiva dor , & ardor de ourina, que certo enfermo padecia tres dias cada mes defde a idade de feis annos'ate a de dezoito, fem que a diligencia dos Medicos, nem o regimento do doente lhe aproveitaf- fem; ate que appellando para os remedios Chymicos, co- brou a faude que defejava.
I. M Anoel dias Loureiro, morador na Ta- noeria, defde a idade de feis annos co- meçou a padecer dores de ourina, em certos dias de cada mes , tão crueis, que o chegavaõ às portas da morte. Para curar a efte menino fe chamarao os Me- dicos de mayor fama : examinarao elles com curiofa . indagaçaõ qual feria a caufa de duraremfó tres dias as taes dores, ficando todo o mais tempo do mes fao , & livre dellas : & depois de huma larga conferencia, & concordarem todos no que aviaõ de fazer , começà- rao a applicar os remedios convenientes , mas com . tao defgraçado effeito , que fe baldàraõ as diligencias da Arte, porque tornando a chegar os tres dias do fe- guinte mes, tornou a padecer as mefmas dores, Cha- maraofe novamente os Medicos , & applicandolhe elles differentes remedios, nenhum fruto experimen- taraõ, porque tornando a vir o feguinte mes, o affaltà-
raõ | Qbfervacao X 7s res. A primeira, que queira julgar com'animo defa- paixonadoo queaqui efcrevo, porqueona faco por vaidade, ou jactancia, mas por zelo do bem commum. A fegunda , que na fe envergonhem de aprender dos outros q que naö fouberem, porque ( fórade Deos) ninguem tem fabedoria infinita: nem fe defprezem de enfinar o que tiverem aprendido, feguindo defte modo o confelho de Sa Bafilio,(5.) que dizia: Apren deifem pejo, enfinai fem inveja, na occulteno que de outrem tiveres aprendido. OBSERV ACAMXI. De huma excelfiva dor, ardor de ourina, quecerto enfermopadecia tres dias cada mes defde a idade de fei annsate a de dezoito,fem que a diligentia dos Medicos, nem o regimento do doente lbe aproveitaf- fem; ate que appellando para os remediosChymicos,co- brou afaude que defejava. Anoel dias Loureiro , morador na Ta- V noeria , defde a idade de feis annos co- megou a padecer dores de ourina, em certos dias de cada mes , tao crueis, que o chegava as portas da morte. Para curar a efte menino fe chamarao os Me- dicos de mayor fama : examinara elles com'curiofa : indagaca qual feria a caufa de durarémf6 tres dias as taes dores, ficandotodo o mais tempo do mes fa, & .livre.dellas : & depois de hüma larga conferencia, & concordarem todos no que avia defazer , comeca- ra a applicar os remedios convenientes , mas con taö defgracadoeffeito , que fe baldara as diligencias da Arte, porque tornando a chegar os tres dias do fe- guinte mes , tornou a padecer as mefmas dores. Cha- marafe novamente os Medicos , & applicandolhe elles,differentes remedios, nenhum fruto expcrimen- tara, porque tornandoa vir o feguinte mes, o affalta- rao | 'Qblervaçao x. 7S :
res. A primeira, que queiraô julgar com'animo defa-
'paixonado o que aqui efcrevo , porque o naõ faço por
vaidade, ou ja&ancia, mas por zelo do bem commum.
A fegunda, que naô fe envergonhem de aprender dos
outros q que naõ fouberem, porque ( fóra de Deos)
ninguem tem fabedoriafnfnita: nem fe defprezem
de enfinar o que tiverem aprendido, feguindo defte »
modo o confelho de Saô Balilio,(5.) que dizia: Apren-
dei fem pejo , enfinai fem inveja , & nao oceulte o que
de outrem tiveres aprendido.
Rios SS 0na0 3500 OS SOs cn SOS «ASTON ADE Sa ao E 00 ao SS 00 S S 00-a0 GOO -
OBSERVAÇAM XL
De huma excelliva dor , & ardor de ourina, quecerto
enfermo padecia tres dias cada mes defde a idade de
- feu annôNare a de dezoito, fem que a diligenvia dos
Medicos, nem o regimento do doente lhe aproveitaf.
: fem; ate que appellando para os remedios Chymicos, so-
- broua/aude que defejava, '
. |
Do SE Anoel dias Loureiro, morador na Ta-
. noeria , deíde a idade de feis annos co-
meçou a padecer dores de ourina, em certos dias de
cada mes , tãocrueis, que o chegavaô às portas da
morte. Para curar a efte menino fechamàraõos Me-
dicos de mayor fama: examinàraõ elles com'curiofa
indagaçaõ qual feria a caufa de durarem£ó tres dias as
taes dores, ficando todo o mais tempo do mes faô, &
Jivre dellas : & depois de hima larga conferencia, &
concordarem todos no que aviaô de fazer , começà- a :
raô aapplicar os remedios convenientes , mas com
taô defgraçado effeito , que fe baldàâraô as diligencias
da Arte, porque tornando a chegar os tres dias do fe-
guinte mes, tornou a padecer as mefmas dores. Cha- | PAN
maraófe novamente os Medicos , '& applicandolhe oo
elles differentes remedios, nenhum fruto expcrimen- :
tàraó, porque tornando a vir o feguinte mes, o affaltà- *
* o rao
"Ud e
? ' ep
| Observaçaon X.
75
res. A primeira, que queiraon julgar com animo desa¬
paixonado o que aqui escrevo, porque o naon faço por
vaidade, ou jactancia, mas por zelo do bem commum.
A segunda, que nao se envergonhem de aprender dos
outros q que nao souberem, porque (fóra de Deos)
ninguem tem sabedoria infinita: nem se desprezem
de ensinar o que tiverem aprendido, seguindo deste »
modo o conselho de Saon Basilio,(5.) que dizia: Apren¬
dei sem pejo, ensinai sem inveja, & naon occulteus o que
de outrem tiveres aprendido.
0
OBSERVAQAM XI.
De huma excessiva dor, & ardor de ourina, que certo
enfermo padecia tres dias cada mes desde a idade de
seu annos'atè a de dezoito, sem que a diligencia dos
Medicos, nem o regimento do doente lhe aproveitas¬
sem; atè que appellando para os remedios Chymicos, co¬
brou a saude que desejava.
I.
Anoel dias Loureiro, morador na Ta¬
noeria, desde a idade de seis annos co¬
meçou a padecer dores de ourina, em certos dias de
cada mes, tamo crueis, que o chegavaon às portas da
morte. Para curar a este menino se chamàraon os Me¬
dicos de mayor fama: examinàraon elles com curiosa
indagaçaon qual seria a causa de durarem so tres dias as
taes dores, ficando todo o mais tempo do mes saô , &
livre dellas: & depois de huma larga conferencia, &
concordarem todos no que aviaô de fazer, começâ¬
rao a applicar os remedios convenientes, mas com
taon desgraçado effeito , que se baldàraon as diligencias
da Arte, porque tornando a chegar os tres dias do se-
guinte mes, tornou a padecer as mesmas dores. Cha-
maraose novamente os Medicos, & applicandolhe
elles differentes remedios, nenhum fruto experimen¬
tàraon, porque tornando a vir o seguinte mes, o assaltà¬
rao
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_116.txt |
76 Obʃervações Medicas Doutrinaes.
raõ as meʃmas queixas com tanta crueldade como de antes . Fatigado o menino aʃʃim pela violencia das dores , como pela multidaõ dos remedios : & deʃconfiados os Medicos pela reʃiʃtencia do mal, ʃe deʃpediraõ , & o deixàraõ entregue ao bom regimento , eʃperando que com eʃte , & com os mayores annos melhoraʃʃe. Obʃervou pontualmente o regimento que lhe mandàraõ ; mas nem por iʃʃo deixou de padecer , nos tres dias de cada mes , as dores com a meʃma tyrannia : & como viʃʃe , que nenhum fruto colhera dos muitos remedios , que ʃe lhe fizeraõ , ʃe reʃolveo a ir paʃʃando atè chegar a dezoito annos ; & vendo que nem a mayor idade , nem a rigoroʃa dieta lhe tinhaõ aproveitado , me chamou , por ter ouvido dizer que eu ʃabia preparar alguns remedios muito ʃingulares alcançados por força do meu eʃtudo , & curioʃidade ; & pondo no meu conʃelho as eʃperanças da ʃua vida , me diʃʃe as ʃeguintes palavras : Suave me seria o morrer , ʃe ao menos ʃoubeʃʃe donde procedem taõ deshumanas dores , que me aʃʃaltaõ tres dias cada mes , deixandome livre todo o mais tempo : ʃe me dereis a razão deʃtes aʃʃaltos, ( aindaque me naõ livreis de taõ penoʃa enfermidade ) farei de vòs taõ grande eʃtimaçaõ , que vos reʃpeitarei como a hum Oraculo , & Hippocrates redivivo.
2. Para dar ʃoluçaõ a eʃta pergunta recorri a doutrina de Galeno , (1.) o qual o livro ʃegundo das differenças das febres , attribue a cauʃa deʃtas repetições assim à parte que manda , como à parte que recebe ; porque he acçaõ natural , que toda a parte forte deita fóra de ʃi , & deʃcarrega na que he mais fraca o que a maltrata ; (2.) porque ʃuccede nas partes do noʃʃo corpo , o que coʃtuma ʃucceder em huma mal governada Republica , na qual os poderoʃos avexaõ aos que menos podem , & eʃtes opprimem aos mais humildes , & aʃʃim vaõ proʃeguindo com as vexações , atè que chegaõ às pessoas mais infimas , & deʃemparadas , as quaes como naõ tenhaõ forças , nem valor para reʃiʃtir , nem defenderʃe do mal que lhes fazem , nem finalmente tenhaõ jà outra parte mais fraca para onde
| 76 Obfervações Medicas Doutrinaes.
raõ as mefmas queixas com tanta crueldade como de antes. Fatigado o menino affim pela violencia das do- res, comopela multidaõ dos remedios: & defconfiados os Medicos pela refiftencia do mal, fe defpedirao, & o deixarao entregue ao bom regimento, efperando que com efte, & com os mayores annos. melhoraffe. Ob- fervou pontualmente o regimento que lhe mandaraõ; mas nem por iffo deixou de padecer , nos tres dias de cada mes,as dores com a melma tyrannia: & como vif- fe que nenhum fruto colhera dos muitos remedios, que le lhe fizerao, fe refolveo a ir paffando ate chegar a dezoito annos; & verdo que nem a mayor idade, nem a rigorofa dieta lhe tinhaő aproveitado, mecha- mou, por ter ouvido dizer que eu fabia preparar al- guns remedios muito fingulares alcançados por força do meu eftudo , & curiofidade ; & pondo, no meu con- felho as efperanças da fua vida, me diffe as feguintes palavras: Suave me feria o morrer, fe aomenos fou- beffe donde procedem taõ deshumanas dores , que me affaltao tres dias cada mes , deixandome livre todo o' mais tempo : fe me dereis a razão deftes affaltos, (ain- daque me naõ livreis de tao penofa enfermidade ) fa- rei de vòs taõ grande eftimaçaõ, quevos refpeitarei como a hum Oraculo, & Hippocrates redivivo.
2. Para dar foluçaõ a efta pergunta recorri à doutrina de Galeno, (1.) o qual no livro fegundo das diferenças das febres, attribue a caufa deftas repeti- ções affim à parte que manda , como à parte que re- cebe ; porque he acçao natural, que toda a parte for- te deita fora de fi, & defcarrega na que he mais fraca a que a maltrata; (2. )porque fuccede nas partes do noffo. corpo, o que coftuma futceder em huma mal gover- nada Republica, na qual os poderofos avexaõ aos que menos podem, & eftes opprimem aos mais humildes, & affim vao profeguindo com as vexações, atè que chegao às peffoas mais infimas , & defemparadas, as quaes como nao tenhao forças, nem valor para refif- tir, nem defenderfe do mal que lhes fazem, nem fi- nalmente tenhao jà outra parte mais fraca para on-
de
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0 | 76' Obfervacoes Medicas Doutrinaes. ra as mefmas queixas com tanta crueldade como da antes. Fatigado o menino affim pela violencia das do- res, comopela multida dos remedios:& defconfados os Medicos pela refiftencia do mal, fe defpedirao,& o deixara entregue ao bom regimento, efperandoque com efte, & coni os mayore annos.melhoraffe. Ob- fervou pontualmente o regimento que lhe mandara; mas nem por iffodeixou de padecer, nos tres dias de cada mes,as dores com a mefma tyrannia: & como vif- fe que nenhum fruto colhera dos muitos remedios, que fe lhe fzera, fe refolveo a ir paffando ate chegar a dezoito annos, & verdo que nem a mayor idade, nema rigorofa dieta lhe tinhaö aproveitado, me cha- mou, por ter ouvido dizer que eu fabia preparar al- guns reinedios.muito fingulares alcancados por forga do meu eftudo , & curiofidade ; & pondo, no meu con- felho as efperancas da fua vida, me diffe as feguintes palavras: Suave me feria o morrer , fe aomenos fou- beffe donde procedem ta deshumanas dores , que mé affalta tres dias cada mes , deixandome livte todo o mais tempo: fe me dereis a razao deftes affaltos, (ain- daque me na livreis deta penofa enfermidade ) fa- rei de vös ta grande eftimaca, quevos refpeitarei como a hum Oraculo , & Hippocrates redivivo. Para dar foluca a efta pergunta recorri a doutrina de Galeno, (1.)o qual nolivro fegundo das. differencas das febres, attribue a caufa deftas repeti- göes affim a parte que manda , como a parte que're- cebe ; porque he accaö natural, que todaa partefor-- te deita fora de fi, & defcarrega na quehe mais fraca que a maltrata;(2.)porqueYuccede nas partes do noffoi. corpo, o que coftuma futceder em huma mal gover- nada Republica, na qual os poderofos avexaaos que menos podem,.& eftes opprimem aos mais humildes, & affim va profeguindo com as vexacöes, ate que chega as peffoas mais inffimas , & defemparadas, as quaes como nao tenhaö forcas, nem valor para reff- tir, nem defenderfe do.mal que lhes fazem, nem f- nalmente tenlha ja outra parte mais fraca para. on- de | 76º Obfervações Medicas Doutrinaes.
raõas mefimas queixas com tanta crueldade como de
antes. Fatigado o menino aífim pela violencia das do.
res, comopela multidaõô dos remedios: & defconfiados
os Medicos pela refiftencia do mal, fe defpediraõ,& o
deixàraó entregue ao bom regimento, efperando que
com efte, & corà os mayor& annos-melhorafle. Ob+
« fervou pontualmente o regimento que lhe mandàraõ;
mas nem por iflo deixou de padecer , nos tres dias de
cada mes,as dores com a melma tyrannia: & como vifz
fe que nenhum fruto colhera dos muitos remedios,
que le lhe fizeraô , fe refolveo a ir paflando atê chegar
a dezoito annos ; & verdo que nem a mayor idade ;
nemarigorofa dieta lhe tinhaô aproveitado, mecha- '
mou, por ter ouvido dizer que eu fabia preparar al-
guns remedios muito fingulares alcançados por força
do meu eftudo , & curiofidade ; & pondo, no meu con-
felho as efperanças da fua vida , me diffe as feguintes
palavras: Suave me feria o morrer , fe 40menos fou-
efle donde procedem taô deshumanas dores , que mé
aflaltaó tres dias cada mes , deixandome livre todo o
mais tempo: fe me dereis a razão deftes affaltos , (ain-
daque me naô livreis de taô penofa enfermidade ) fa-
rei de vôs taõ grande eftimaçaõô, quevos refpeirarei
como a hum Oraculo, & Hippocrates redivivo. .
2. — Para dar foluçaô a efta pergunta recorri à
doutrina de Galeno, (1.) o qual no livro fegundo das,
differenças das febres , attribue a caufa deftas repeti-
ções aflim à parte que manda , como à parte que re
cebe; porque he acçaô. natural, que todaa parte for
tedeitafóra de fi, & defcarrega na que he mais fraca a
que a maltrata;(2. porque Tuccede nas partes do nofla.
corpo, o que coftuma futceder em huma mal gover+«
nada Republica, na qual os poderofos avexaõaos que
menos podem, & eftes opprimem aos mais humildes,
& afllim vaô profeguindo com as vexações, até que
chegaô às peíloas mais infimas , & defemparadas, as
quaes como naô tenhaóô forças, nem valor para refif.
tir, nem defenderfe do mal que lhes fázem, nem fix
nalmente tenhaó jà outra parte mais fraca para on.
de
| 76 Observaçones Medicas Doutrinaes.
raon as mesmas queixas com tanta crueldade como de
antes. Fatigado o menino astim pela violencia das do¬
res, comopela multidaon dos remedios: & desconfiados
os Medicos pela resistencia do mal, se despediraon, & o
deixàraon entregue ao bom regimento , esperando que
com este, & com os mayores annos melhorasse. Ob¬
servou pontualmente o regimento que lhe mandàraon;
mas nem por isso deixou de padecer, nos tres dias de
cada mes, as dores com a mesma tyrannia: & como vis-
se que nenhum fruto colhera dos muitos remedios,
que se lhe fizerao, se resolveo a ir passando atè chegar
a dezoito annos; & verdo que nem a mayor idade,
nem a rigorosa dieta lhe tinhaon aproveitado, me cha-
mou, por ter ouvido dizer que eu sabia preparar al
guns remedios muito singulares alcançados por força
do meu estudo , & curiosidade ; & pondo no meu con-
selho as esperanças da sua vida, me disse as seguintes
palavras: Suave me seria o morrer, se ad'menos sou-
besse donde procedem tao deshumanas dores, que mé
assaltaon tres dias cada mes, deixandome livre todo o
mais tempo: se me dereis a razano destes assaltos , (ain-
daque me nao livreis de tao penosa enfermidade ) fa¬
rei de vòs tao grande estimaçaon, que vos respeitarei
como a hum Oraculo, & Hippocrates redivivo.
2. Para dar soluçao a esta pergunta recorri à
doutrina de Galeno, (1.)o qual no livro segundo das
differenças das febres, attribue a causa destas repeti¬
çones assim à parte que manda, como à parte que re-
cebe; porque he acçaô natural, que toda a parte for-
te deita fora de si, & descarrega na que he mais fraca q
que a maltrata; (2.) porque succede nas partes do nosso.
corpo, o que costuma succeder em huma mal gover¬
nada Republica, na qual os poderosos avexaon aos que
menos podem, & estes opprimem aos mais humildes,
& assim vaon proseguindo com as vexaçones, atè que
chegaon às pessoas mais infimas, & desemparadas, as
quaes como naon tenhaon forças, nem valor para resis¬
tir, nem defenderse do mal que lhes fazem, nem fi-
nalmente tenhaon jà outra parte mais fraca para on¬
de
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CHLMP | OMD | 1,707 | page_117.txt |
Obʃervação XI. 77
de arrojem o damno , que lhes fizeraõ , neceʃʃariamente haõ de ʃofrer o mal , ʃem o poderem fazer a outrem : da meʃma sorte as partes mais nobres do noʃʃo corpo deʃcarregaõ todos os humores nocivos ʃobre as partes menos nobres , & eʃtas os arrojaõ para outras mais inferiores , & eʃtas os lançaõ em outras mais infimas , atè que de todo ʃahem fóra do corpo , ou ʃe encaʃaõ , & fazem aʃʃento em alguma parte viliʃʃima . Iʃto obʃervamos mais ordinariamente , quando a parte que padece , (àlem de ʃer fraca , & mais debil que as outras ) he de ʃua natureza deʃtinada para receber os excrementos , como he a bexiga para receber os ʃoros , & os deitar fòra : jà ʃe com eʃʃes ʃoros ʃe miʃtura alguma acrimonia maligna por vicio do corpo , ou do figado , ou dos rins , neceʃʃariamente os ha de receber a meʃma bexiga , & indo de dia em dia creʃcendo , & augmentandoʃe , chegaõ a tanta copia , & mordacidade , que offendem a meʃma bexiga , cauʃando nella ardores , & picadas , que perʃeveraõ com mayor crueldade deʃde o tempo em que começaõ de ourinar , até que a ourina acaba de ʃahir . E ʃe alguem me perguntar a razão porque na bexiga ʃe ajunta tanta copia de ourina , & tão acre , que perturba a natureza , & a obriga a ourinar tam repetidas vezes : reʃponderei que iʃto procede de huma fraqueza , que a bexiga adquirio lenta , & ʃucceʃʃivamente por cauʃa de alguma materia , que dentro reʃide ; & daqui vem que debilitada a bexiga não pòde converter o proprio alimento em ʃubʃtancia louvavel , & por eʃta razão ella meʃma ʃe negocea a mayor , & mais lamentavel ruina ; concorrendo tambem para iʃto huma diʃposiçaõ ʃemelhante àquella qualidade , que fica nas panelas , em que ʃe cozeo algua iguaria deʃte , ou daquelle cheiro , ou ʃabor .
3. Naõ ʃatisfez eʃta repoʃta ao deʃejo do enfermo , porque dizia elle , que ʃe as dores , picadas , & ardores , que elle padecia em tres dias de cada mes , procedeʃʃem de mà diʃcraʃia , & debilidade , que a bexiga tinha contrahido lentamente , ʃempre perʃeverariaõ da meʃma sorte , pois a tal diʃcraʃia , & fraqueza perʃe
| 77
Obfervaçao XI.
· de arrojem o damno, que lhes fizeraõ, neceffariamen- te hao de fofrer o mal, fem o poderem fazer a outrem! da mefma forte as partes mais nobres do noffo corpo defcarregaõ todos os humores nocivos fobre as partes . menos nobres , & eftas os arrojaõ para outras mais in- feriores, & eftas os lançao em outras mais infimas, atè que de todo fahem fóra do corpo, ou fe encafao, & fazem affento em alguma parte viliffima. Ifto ob- fervamos mais ordinariamente, quando a parte que padece, (àlem de fer fraca, & mais debil que as ou- tras ) ,he de fua natureza deftinada para receber os ex- crementos, como he a bexiga para receber os foros, & os deitar fóra : ja fe comeffes foros fe miftura algu- ma acrimonia maligna por vicio do corpo, ou do fi- gado, ou dos rins , neceffariamente os ha de receber a mefma bexiga, & indo de dia em dia crefcendo , & augmentandofe , chegao a tanta copia, & mordaci- dade , que offendem a mefma bexiga, caufando' nella ardores, & picadas, que perfeverao com mayor cruel- dade defde o tempo em que começaõ de ourinar, até que a ourina acaba de fahir. E fe alguem me pergun- tar a razão porque na bexiga fe ajunta tanta copia de ourina , & tao acre , que perturba a natureza, & a obriga a ourinar tam repetidas vezes: refponderei que ifto procede de huma fraqueza, que a bexiga adqui- rio lenta, & fucoeffivamente por caufa de alguma ma- teria, que dentro refide; & daqui vem que debilitada a bexiga não pode converter o proprio alimento em fubftancia louvavel, & por efta razão ella mefma fe negocea a mayor , & mais lamentavel ruina ; concor- rendo tambem para ifto huma difpofiçao femelhante àquella qualidade, que fica nas panelas, em que fe co- zeoalgua iguaria defte, ou daquelle cheiro, ou fabor. 3. Nao fatisfez efta repofta ao defejo do enfer- mo, porque dizia elle, que fe as dores, picadas , & ardores , que elle padecia em tres dias de cada mes, procedeffem de mà difcrafia , & debilidade, que a be- xiga tinha contrahido lentamente, fempre perfevera- ciao da mesma forte, pois a tal difcrafia, & fraqueza .
perfe-
,
- | Obfervacao xI. 77 de arrojem o damno, que lhes fizera, neceffariamen- te haö de fofrer o mal, fem o poderem fazer a outrem. da mefma forte as partes mais nobres do noffo corpo defcarrega todos os humores nocivos fobre as partes menos nobres , & eftas os arroja para outras mais in- feriores, & eftas os lanca em outras mais infimas , ate que de todo fahem f6rado corpo, ou fe encafa, & fazem affento em alguma parte viliffima. Iftoob- fervamos mais ordinariamente, quando a parte que padece, (alem de fer fraca, & mais debil que as ou- tras ) he de fua natureza deftinada para receber os ex- crementos, como he a bexiga para receber os foros, & os deitar fora: ja fe comeffesforos fe miftura algu- ma acrimonia maligna por viciodo cerpo, ou dofi- @ado, ou dos rins, neceffariamente os ha de receber a mefma bexiga, & irrdo de dia em dia crefcendo , & augmentandofe, chega a tanta copia, & mordaci- dade , que offendem a mefina bexiga, caufando*nella ardores, & picadas, que perfeveraö com mayor cruel- dade defde o tempo em que comeca de ourinar , atê tar a razao porque na bexiga fe ajunta tanta copia de ourina , & tao acre , quc perturba a natureza, & a obriga a ourinar tam repetidas vezes: refponderei que iftoprocede de huma fraqueza, que abexiga adqui- rio lenta , & fuceeffivamente por caufa de alguma ma- teria, que dentro.refide; & daqui vem que debilitada a bexiga nao pode converter o proprio alimento em fubftancia louvavel, & por efta razao ellamefma fe negocea a mayor , & mais lamentavel ruina ; concer- : rendo tambem para ifto huma difpofica femelhante aquella qualidade , que fica nas panelas, em que fe co- zeoalgua iguaria defte., ou daquelle cheiro, ou fabor. . 3. Nao fatisfez.efta repofta aodefejo do enfer- mo, porque dizia elle, que fe as. dores, picadas,& ardores,, que elle padecia em tres dias decada mes, procedeffem de ma difcrafia , & debilidade, que a be- xiga tinha contrahido lentamente , fempre perfevera- ria danefma forte, pois atal difcrafia,& fraqueza perfe- | Obífetvaçaõ 1. 7
- dearrojem o damno, que lhes fizeraõ, neceflariamen=-
te haô de fofrer o mal, fem o poderem fazer a outrem:
da mefma forte as partes mais nobres do noffo corpo :
defcarregaó todos os humores nocivos fobre as partes ,
menos'nobres, & eftas os arrojaõ para outras mais in-
feriores, & eftas os lançaô em outras mais infimas ,
4rtê que de todo fahem fóra do corpo, ou fe encafaõ,
& fazem aflento em alguma parte viliffima. Ifto ob-
fervamos mais ordinariamente, quando a parte que
padece, (àlem de fer fraca, & mais debil que as ou-
tras ) he de fua natureza deftinada para receber OS Ex-
crementos , como he a bexiga para receber os foros,
& os deitar fóra: jà fe comefles foros fe miftura algu-
ma acrimonia maligna por vicio do cerpo, ou do fi-
gado , ou dos rins, neceflariamente os ha de receber a
mefma bexiga, & irrdo de dia em dia crefcendo , &
augmentandofe, chegaõ a tanta copia, & mordaci-
dade , que offendem a mefiha bexiga, canfando'nella
ardores, & picadas, que perfeveraô com mayor cruel-
dade deíde o tempo em que começaõ de ourinar, até
|) queaourinaacaba de fabir. E fealguem me pergun-
— —tararazãoporque na bexiga fe ajunta tantacopia de |
Ourina , & tão acre , que perturba a natureza, & a
obriga a ourinar tam repetidas vezes: refponderei que
.iftoprocede de huma traqueza, quea bexiga adqui-
rio lenta , & fuceeflivamente por caufa de alguma ma-
teria, que dentro refide; & daqui vem que debilitada a
bexiga não pôde converter o proprio alimento em
fubítancia louvavel , & por efta razão ella mefma fe
negocea a mayor , & mais lamentavel ruina ; concer-
:rendo tambem para ifto huma difpofiçao femelhante
àquella qualidade , que fica nas panelas, em que fe co-
zeoalgãa iguaria delte, ou daquelle cheiro, ou fabor.
3. “Naó fatisfez efta repofta aodefejo do enfer-
mo, porque dizia elle, que fe as dores, picadds , &
ardores , que elle padecia emtres dias de cada mes,
procedeflem de mà diferafia , & debilidade, que a be-
xiga tinha contrahido lentamente , fempre perfevera- >
riaô da meima forte, pois atal difcrafia, & fraqueza »
perfe-
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| Observaçaon XI.
77
de arrojem o damno, que lhes fizeraon, necessariamen-
te hao de sofrer o mal, sem o poderem fazer a outrem:
da mesma sorte as partes mais nobres do nosso corpo
descarregaon todos os humores nocivos sobre as partes
menos nobres, & estas os arrojaon para outras mais in¬
feriores, & estas os lançaon em outras mais infimas,
atè que de todo sahem fóra do corpo, ou se encasao,
& fazem assento em alguma parte vilissima. Isto ob¬
servamos mais ordinariamente, quando a parte que
padece, (alem de ser fraca, & mais debil que as ou-
tras), he de sua natureza destinada para receber os ex-
crementos, como he a bexiga para receber os soros,
& os deitar fora: jà se com esses soros se mistura algu¬
ma acrimonia maligna por vicio do corpo, ou do fi¬
gado, ou dos rins, necessariamente os ha de receber a
mesma bexiga, & indo de dia em dia crescendo , &
augmentandose, chegaô a tanta copia, & mordaci¬
dade, que offendem a mesma bexiga, causando'nella
ardores, & picadas, que perseveraon com mayor cruel¬
dade desde o tempo em que começao de ourinar, até
que a ourina acaba de sahir. E se alguem me pergun¬
tar a razano porque na bexiga se ajunta tanta copia de
ourina, & tamo acre, que perturba a natureza, & a
obriga à ourinar tam repetidas vezes: responderei que
isto procede de huma fraqueza, que a bexiga adqui¬
rio lenta, & sucoessivamente por causa de alguma ma¬
teria, que dentro reside; & daqui vem que debilitada a
bexiga namo pòde converter o proprio alimento em
substancia louvavel, & por esta razamo ella mesma se
negocea a mayor, & mais lamentavel ruina; concor-
rendo tambem para isto huma disposiçaon semelhante
àquella qualidade, que fica nas panelas, em que se co-
zeo alguma iguaria deste, ou daquelle cheiro, ou sabor.
Nao satisfez esta reposta ao desejo do enfer¬
mo, porque dizia elle, que se as dores, picadds, &
ardores, que elle padecia em tres dias de cada mes,
procedessem de mà discrasia , & debilidade , que a be-
xiga tinha contrahido lentamente, sempre persevera¬
riao da mesma sorte, pois a tal discrasia, & fraqueza.
perse¬
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